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Agora que as cabecinhas estão menos quentes por conta da final eletrizante do último sábado (22), é hora de analisar e tirar conclusões melhores sobre o Eurovision que passou. Com a vitória do grupo italiano Måneskin, o festival voltará para o país após 30 anos. A competição que acompanharemos nos próximos dias não será de cunho musical, mas sim, entre as cidades da Itália interessadas em sediar o evento.

Credenciados para cobrir o festival pela primeira vez, o Kolibli conseguiu acompanhar de perto o Eurovision desde os primeiros ensaios até a coletiva de imprensa dos vencedores após a grande final. A verdade, entretanto, é que o evento realmente começa em dezembro com a tradicional seletiva nacional da Albânia, então vamos voltar um pouco no tempo para tecer comentários. Aqui estão eles:

1. O Eurovision 2021 foi o melhor em alguns anos

Por conta do cancelamento do festival em 2020, os artistas reconvidados para o ano seguinte foram obrigados a criar uma nova música – e isso foi muito bom, pois a qualidade do anterior não seria lá essas coisas. A Lituânia, por exemplo, escolheu a banda The Roop mais uma vez e os músicos voltaram com uma incursão electropop mais maluca e interessante do que “On Fire”. A maior “grower” da edição, por outro lado, talvez seja a França, que partiu da impopular “The Best In Me” do cantor Tom Leeb para a quase vitoriosa “Voilà” de Barbara Pravi, que fora selecionada em uma final nacional.

Do ponto de vista musical, podemos dizer que este é o melhor Eurovision desde 2018. Em termos de entretenimento, talvez seja o melhor desde o grande show feito pelos suecos em 2016. A Holanda atingiu todas as expectativas do público e conseguiu entregar um festival organizado, dinâmico e bastante tecnológico, que também fugiu dos roteiros que forçam os apresentadores a serem comediantes. A exceção fica por conta da talentosa NikkieTutorials, que esteve encarregada de liderar algumas matérias mais descontraídas durante os três shows, e o fez com muita qualidade.

2. Gostando ou não de “Zitti E Buoni”, a vitória italiana é compreensível e circunstancial

Måneskin has won the Eurovision Song Contest 2021
Foto: NPO/NOS/AVROTROS NATHAN REINDS

Apesar de não estarmos tão investidos no hard rock trazido pelo Måneskin, a vitória da Itália é fruto de um trabalho muito consistente e que serve de exemplo para outros países (principalmente, aos outros finalistas prévios do Big 5). Com a valorização do Festival de Sanremo e seu formato, a Itália acaba por sempre entregar canções competitivas para o Eurovision. Desde o retorno em 2011, o país conseguiu estar no top 10 sete vezes e foi vice-campeão em duas. Uma hora, o troféu mais cobiçado da música europeia iria sorrir para os italianos – e o momento foi esse.

3. O público do Eurovision está mudando e demanda por mais músicas que não sejam em inglês

A edição de 2021 marca uma tendência que vai contra as fórmulas eurovisivas do início dos anos 2000 e o frequente uso da língua inglesa como sinônimo de sucesso. Se até 2015 comentávamos sobre a vitória da Sérvia em 2007 (“Molitva” é toda em sérvio) quase como se fosse uma lenda urbana sobre uma mulher de muita sorte, a partir de 2016 as coisas mudaram. Naquele ano, Jamala levou o Eurovision com sua música em inglês e tártaro da Crimeia, e no ano seguinte vivenciamos a vitória acachapante de Salvador Sobral e a portuguesa “Amar Pelos Dois”.

Em 2021, não só o vencedor foi em um idioma diferente do inglês, como outras no top 10 também. O top 2 dos jurados ficou entre França e Suíça, que trouxeram canções em francês. No top 10 do público, seis músicas continham línguas diferentes do inglês: Itália, Ucrânia, França (todos esses top 3), Suíça, Rússia e Sérvia. O resultados mandam um sinal às emissoras e artistas de que é possível se dar bem no Eurovision sem ter que traduzir todas as suas ideias para o idioma de Joe Biden e Kamala Harris.

4. Os crimes da edição

Albina, Croatia, First Semi-Final, Rotterdam Ahoy, 18 May 2021
Foto: EBU / THOMAS HANSES

O festival desse ano não teve tantos crimes grotescos, mas alguns momentos lamentáveis precisam ser discutidos. O principal talvez tenha sido a desclassificação da Croácia na semifinal 1. Apesar de ter um dos melhores stagings da temporada e figurar no top 10 de júri e televoto, no somatório o país conseguiu ser eliminado por apenas cinco pontos. Em uma das semifinais mais difíceis dos últimos anos, “Tick-Tock” acabou chamando menos a atenção do que outras farofinhas do grupo, como Israel. Apontada pela imprensa como uma das possíveis eliminadas por conta do staging pobre, a carismática e habilidosa Eden Alene subverteu a lógica e passou para a final com certa facilidade.

Aqui muitos podem pensar: e a Moldávia? Apesar das redes sociais estarem enfurecidas com o resultado acima do esperado para Natalia Gordienko, do ponto de vista do entretenimento faz sentido o sucesso da cantora. De fato: Natalia não teve uma boa performance vocal e o staging foi um dos mais frustrantes da temporada, fazendo com que qualquer jornalista durante os ensaios cravasse a eliminação da Moldávia. Entretanto, Natalia parece ter entendido as suas limitações naquele momento e entregou na semifinal 2 a sua melhor performance durante toda a temporada. Ela foi caricata ao máximo: arrancou risadas de todos ao gritar de forma desafinada o nome do continente, puxou a “nota mais longa da edição” com uma linguagem corporal bizarra, e acabou transformando “Sugar” em um joke act sofisticado e não-oficial. Mesmo que as votações dos jurados na música levantem suspeitas, o público respondeu a essa performance, colocando a Moldávia na frente de favoritas como Chipre e Malta.

O momento apoteótico da grande final, com toda certeza, foi a sequência de zeros distribuída durante o anúncio dos resultados de televoto. Chega a ser um crime? Teoricamente, não. O Reino Unido, que então inaugurou o “nul points” duplo na era das votações separadas, merecia mais que zero, mas é preciso entender que o Eurovision não é apenas sobre ser bom ou não. O festival, acima de tudo, é um espetáculo televisivo com interação do público – ou seja, além de bom, você precisa impressionar o público o suficiente para fazer com que ele gaste alguns segundos votando na sua música. Por conta disso, os quatro zeros para Reino Unido, Espanha, Alemanha e Holanda fazem parte do jogo em uma final que foi muito disputada.


Espaço dedicado para agradecer, mesmo que a chance da mensagem chegar neles seja 0,1%, à EBU, aos organizadores do festival e ao pessoal da técnica pela criação da Sala de Imprensa Online. Quando problemas foram detectados, o time de auxílio respondeu prontamente a todas as demandas. Esperamos que a iniciativa continue em 2022 mesmo com o fim da pandemia. Thank you, guys!


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Sobre o autor

Matheus Rodrigues

Jornalista formado em 2023 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apaixonado por música, culturas diferentes, futebol e Coca Zero. Obcecado por Eurovision e pop do leste europeu. Torcedor do imenso Sport Club Internacional.
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