No ano passado, comecei a fazer algumas pesquisas pelos mercados fonográficos africanos— e não demorou muito para que eu esbarrasse no primeiro hit que impactaria meu Spotify por um bom tempo. A canção encontrada era “Reza Madame”, faixa lançada pela cantora angolana Titica, que mistura os gêneros kuduro e afro house utilizando humor e carisma como aliados inseparáveis. O clipe, mesmo com orçamento reduzido, fez com que a cantora brilhasse nas cenas gravadas em locações espalhadas pela capital de seu país, Luanda, dando um show de sensualidade e segurança. “Reza, madame, Reza! Ajoelhou… tem que rezar!” , canta Titica ao realizar danças inimagináveis para a coluna de pessoas como a minha. Dói só de imaginar!
Guerreira dentro e fora da música
Com 32 anos de idade, Titica conta com uma biografia repleta de lutas e conquistas importantes. Aos 17, Titica se viu forçada a sair de casa quando assumiu a transexualidade para seus familiares. Angola, assim como quase todos os países africanos, ainda engatinha nas legislações de proteção aos direitos LGBT+ (a homossexualidade, por exemplo, foi descriminalizada apenas no início deste ano).
Tive muito medo, sim. Não foi fácil assumir a minha transexualidade devido à minha família, que é muito religiosa. Eles seguem o Tocoismo, religião segundo a qual as mulheres não podem fazer apliques de mega hair, não podem usar brincos, maquiagem… Para essa religião, a mulher tem que se mostrar o mais natural possível. Então, foi ainda mais difícil para mim. Eu vivia muito no escuro. (…) Foi difícil, mas eu tive meus pés no chão para mostrar à minha família que a minha orientação sexual não me diminui em nada. Mostrei que eu respiro como eles, tenho desejos como eles e sou igual a eles. A única diferença é que eu gosto de homens e que eu queria deixar transparecer a mulher que já estava dentro de mim. Mas, claro, não foi fácil.
Entrevista para O Globo, abril de 2019.
Quando lançou “Chão”, sua primeira música, Titica começou a trilhar a estrada que hoje a levou ao sucesso como “rainha do Kuduro”, ritmo originado em Angola, que começou a ser conhecido no Brasil e em outros países lusófonos. Desde então, a cantora recebeu diversos prêmios, honrarias (como a nomeação para se tornar embaixadora da Unaids Angola) e reconhecimento de artistas internacionais, sendo tietada por Björk, Pabllo Vittar e o grupo BaianaSystem, que dividiu com ela o palco alternativo no Rock in Rio em 2017.
Titica talvez não consiga resolver todas as demandas do público LGBT em seu país, mas a sua representatividade inegavelmente auxilia na construção de um futuro melhor para as minorias em seu país. Som no vibrador!
Kolibli recomenda: “Reza Madame”, “Coração de Piscina”, “Chão”.