Apesar da preparação digna de pena, a Academia entregou um Grammy que conseguiu driblar os problemas que ela mesma acabou criando nesse e nos últimos anos, como o inexplicável esquecimento de The Weeknd, que possivelmente foi o maior artista de 2020 (e que acabou recebendo nenhuma indicação), bem como os constantes problemas com a representatividade de artistas negros e os boicotes oriundos deles. Esforços têm sido feitos, mas o caminho para a excelência ainda é longo. Além disso, a cerimônia já seria bem prejudicada por conta da pandemia de Covid-19, algo que está fora do controle da Academia – que, aliás, fez com que a premiação fosse adiada de janeiro para março por conta disso.
Em termos gerais, o Grammy 2021 foi uma edição completamente “paz e amor”. A maioria dos principais artistas saiu com algum prêmio na noite, como a parcialmente inesperada vitória de Harry Styles em “Best Pop Solo Performance”, dando um tom “democrático” muito positivo, já que o ano não teve uma grande força como Adele em 2011 ou Billie Eilish em 2019 (na verdade até teve, mas o Grammy esqueceu, rs). Análises mais conspiratórias até podem teorizar que o Grammy desse ano foi realizado seguindo o péssimo estilo de outras premiações menos prestigiadas, onde, estranhamente, os vencedores são sempre os que estão presentes fisicamente no estúdio ou arena, mas prefiro acreditar na lisura do processo e que os votos dos milhares de membros da Academia foram respeitados, até porque seria antiético julgar o Grammy deste ano sem provas. O que joga contra a Academia é mesmo o seu histórico recente – e isso é um fato.
Do ponto de vista técnico, essa foi de longe a melhor das premiações feitas em contexto pandêmico. Não só por conta da qualidade dos artistas, mas também pela criatividade na utilização dos recursos visuais “possibilitados” pela ausência de público na arena. Lil Baby evocou a memória de George Floyd em uma performance hollywoodiana da música “The Bigger Picture”, mas outros artistas também brilharam no palco especial montado pela Academia. Por exemplo, Cardi B e Megan The Stallion foram responsáveis pela melhor performance da noite, com um show de atitude que será lembrado com muito carinho pelos brasileiros por conta da inserção de um remix feito pelo DJ Pedro Sampaio.
Mesmo com a qualidade das performances, o Grammy poderia dar mais espaço para… as premiações. A cerimônia pré-show, onde a maioria dos prêmios é entregue, é uma loucura de apenas duas horas, com categorias que poderiam ser anunciadas na hora do programa principal. Até aquelas que lá foram colocadas, como a de “Best Latin Pop Album or Urban Album” e a de “Best Melodic Rap Performance”, foram anunciadas praticamente juntas e de forma rápida e pré-gravada.
Sobre as vitórias
Apesar das teorias da conspiração, é plausível acreditar na fragmentação das votações. Por exemplo, “Future Nostalgia” talvez tenha sido mais forte na categoria de “Best Pop Vocal Album” por ser um espaço específico para quem é do pop, mas faltou força para bater o “Folklore” de Taylor Swift, que tem um apelo folk e até mesmo alternativo que pode ter “unido mais tribos”.
A vitória de Taylor Swift, aliás, foi um dos pontos questionáveis da noite, mas mais por conta do histórico da cantora na premiação do que pela falta de merecimento. “Folklore” foi um grande álbum em 2020, com aclamação de crítica e público, já que capturou perfeitamente um pouco das sensações que o mundo percebeu nesse momento de confinamento e pandemia. Sem “After Hours” de The Weeknd (e em uma das categorias mais fracas em anos), a vitória de Taylor se tornou ainda mais previsível e perfeitamente circunstancial. O gosto amargo fica pelo recorde: é a terceira vitória da cantora na categoria de “Álbum do Ano”, feito que é o maior de qualquer artista feminina na história. Obviamente a preocupação aqui não é o gênero, já que é impressionante ver que só em 2021 uma mulher tenha atingido essa marca. A questão mesmo é se Taylor seria a melhor pessoa para atingir a marca de três “AOTYs” em comparação com outros artistas (homens ou mulheres) nos últimos tempos. Será mesmo que “1989” mereceu vencer o que talvez seja o melhor álbum do século, “To Pimp a Butterfly”? Ou até mesmo, que “Fearless” em 2010 mereceu superar “The Fame”? Em um ano marcado ainda mais pelos resgates de sons feitos na música pop do século passado, me pareceu mais adequado que o prêmio fosse para o “Future Nostalgia” de Dua Lipa. Enfim, torço para mais mulheres vençam a maior categoria da premiação – e, principalmente, mulheres negras (quem sabe não é hora de dar um para a Beyoncé, hein Academia?)
E por falar em Beyoncé…
Assim que Beyoncé apareceu (é uma raridade ver ela em público) e recebeu o prêmio de “Best R&B Performance” por “Black Parade”, as possíveis críticas à vitória de Taylor Swift e Billie Eilish em Álbum e Gravação do Ano (e até mesmo, a simbólica vitória da cantora H.E.R com a música de protesto “I Can’t Breathe”) foram ofuscadas pelo recorde anunciado em alto e bom tom durante a cerimônia. Beyoncé, com os quatro gramofones recebidos na noite, se tornou a maior vencedora feminina na história, com 28 prêmios. Entretanto, precisamos problematizar um pouco: entre todas essas vitórias, só uma foi em uma das categorias do Big 4, o que é muito lamentável para uma artista influente como Beyoncé.
Na categoria de “Melhor Videoclipe”, Beyoncé se tornou bicampeã com o clipe de “Brown Skin Girl”, também reconhecido aqui no Kolibli como clipe do ano, e que deu a sua filha Blue Ivy, de apenas nove anos, o seu primeiro gramofone. Imagina a marra dessa menina quando for para a escolinha contar para as amigas que tem um Grammy!
Ainda sobre as vitórias, mas agora também sobre as derrotas
Para mostrar como a cerimônia teve um tom conciliador, ainda tivemos a vitória de dois nomes extremamente influentes na música mundial e que nunca haviam recebido um Grammy em suas carreiras: o rapper Nas e a banda The Strokes, que respectivamente levaram “Best Rap Album” e “Best Rock Album”. Fiona Apple, artista que liderou listas por toda a crítica musical em 2020, também foi agraciada com dois gramofones (“Best Alternative Album” e “Best Rock Performance”).
Por conta das derrotas, fica o destaque negativo para o álbum “Ungodly Hour” das irmãs Chloe x Halle, que receberam apenas três indicações e nenhum prêmio. De positivo, a torcida Kolibliana saúda o esquecimento completo do álbum “Changes” de Justin Bieber, que recebeu indicações e o cantor ainda por cima reclamou delas. Terminou a premiação com uma vitória, mas nas categorias Country.