Na noite do último domingo (03), a Academia de Gravação premiou com gramofones dourados mais uma série de artistas durante a cerimônia do Grammy Awards em Las Vegas. Fazendo um contraste ao Oscar polêmico — como bem lembrado pelos colegas da Variety — o Grammy de 2022 foi conciliador, diplomático e pacífico. Mesmo assim, o clima de Missa do Galo não animou o público e fez com que a audiência seguisse baixa apesar do crescimento em relação ao ano passado. Em 2021, lamentamos como o ano do mainstream americano havia sido fraco e a lista de indicados ao Grammy pior ainda, mas no fim a premiação terminou com a sensação de que “o bem venceu”.
O Kolibli criou um resumo com os melhores e piores momentos da noite mais importante na indústria musical mundial com algumas sugestões para as próximas edições.
O Grammy das vitórias previsíveis e surpresas aceitáveis
Foto: Reuters
A imprensa e os telespectadores pareciam certos de que Olivia Rodrigo, a popstar teen com ares roqueiros que tomou conta das paradas em 2021, iria passar o rodo e levar praticamente todos os prêmios que concorria. No fim, não foi bem assim. Olivia teve sete indicações pelo álbum “Sour” e saiu com três gramofones dourados (um pelo mitológico “Best New Artist” e outros dois no campo do pop). Nas outras três categorias gerais, a cantora acabou perdendo para Jon Batiste (vencedor de Álbum do Ano com “We Are”) e para o projeto Silk Sonic de Bruno Mars e Anderson Paak (vencedores de Gravação e Música do Ano).
O triunfo do Silk Sonic, que levou no total quatro gramofones para casa, não foi uma surpresa. O projeto pode não ser algo tão inédito e extraordinário como aparenta ser, mas uniu crítica e público ao trazer o smooth soul de volta às paradas mundiais. Se o álbum dos dois tivesse sido lançado um pouco antes, não seria um espanto se Bruno e Anderson levassem o “AOTY” para casa também. Como isso não aconteceu, “We Are” foi agraciado com o prêmio e muitos ainda estão sem entender o que aconteceu–mas também longe de criticar.
Jon Batiste é, indiscutivelmente, um músico talentoso. E tem alguma aderência na indústria por conta da colaboração no filme Soul (que rendeu a ele uma estatueta no Oscar) e pela direção musical no talk show The Late Show with Stephen Colbert. “We Are” passa longe de ser o melhor álbum lançado no período de elegibilidade deste Grammy (e muito menos entre os indicados), mas quem vai reclamar? É a primeira vez em 14 anos que um artista afro-americano leva o maior prêmio da noite. Muitos álbuns desde então — alguns bem superestimados — receberam a honraria enquanto artistas negros muito influentes como Beyoncé, Kanye West e Kendrick Lamar precisaram se contentar com vitórias nas categorias de rap, pop ou r&b. A Academia viu em Jon um símbolo de que as mudanças na premiação, como o fim dos comitês secretos que definiam a lista final de indicados, estão fazendo efeito. Nos acostumamos a ver artistas brancos sendo aclamados por pouca coisa, então receber a vitória de um artista negro em ascensão, mesmo que sem consenso, não vai doer, né? Parabéns ao Jon pela conquista.
Por falar em falta de unanimidade, é também importante levar em conta que disputas muito acirradas levam a vitórias não muito aguardadas. Imagine a briga de foice travada em uma votação com Taylor Swift, Lady Gaga, Tony Bennett, Doja Cat, Justin Bieber, Olivia Rodrigo e Kanye West? Provavelmente nunca teremos acesso aos números, mas projeto que tenha sido uma loucura.
Outro aspecto importante da vitória de Jon em Álbum do Ano é o posicionamento do Grammy como um palanque para artistas não tão conhecidos, mas que merecem (tal qual em um site de opinião). O cantor teve um aumento de quase 1000% na procura por suas músicas em plataformas de streaming como reação óbvia ao seu triunfo no Grammy. Existe uma crítica recorrente sobre como a premiação cai no vício de indicar artistas por mera popularidade, mas é interessante ver quando a Academia assume um papel de guia. Tem que ser assim sempre: um meio termo entre público, crítica especializada e respaldo entre a classe musical.
Sobre os esnobados e outras vitórias simpáticas
Apesar da falta de crimes grosseiros na premiação como um todo, é de se lamentar o esquecimento de Billie Eilish. Concordo com a vitória de Olivia Rodrigo em Best New Artist, mas nas categorias pop o claro vencedor era “Happier Than Ever”. A odisseia de noise pop com cinco minutos de duração foi um hit muito mais memorável, pouco convencional e criativo que “drivers license”. Aliás, Billie entregou um álbum corajoso e com algumas ideias do premiado CD de estreia “When we all fall asleep, where do we go?” (2019), mas mesmo assim terminou a noite de mãos vazias. Em Best Latin Rock or Alternative Album também é de se reprovar que “El Madrileño” de C. Tangana e “Calambre” da diva Nathy Peluso tenham perdido para o Juanes (nada contra, mas muito mais a favor deles).
Outras ausências, entretanto, são de se comemorar. Justin Bieber recebeu oito indicações pelo medíocre “Justice (Triple Chucks Deluxe)”, versão do álbum com 22 faixas (fala sério!), performou na premiação com uma rendição bizarra de “Peaches” e saiu de mãos vazias. Justin entrou para o segundo lugar na lista de cantores com mais nomeações em uma noite sem levar prêmio algum (empatado com Rihanna, Kanye West e Jay Z). Ed Sheeran conseguiu apenas uma indicação — e logo em Song of The Year, o que torna a situação ainda mais revoltante— pela sofrível “Bad Habits”, mas também foi ignorado. Como diria um meme dos Estados Unidos, “nature is healing” (a natureza está se curando).
Agora, aqui uma breve lista com as vitórias que foram muito agradáveis:
- Jazmine Sullivan levando Best R&B Album por “Heaux Tales” e Best R&B Performance por “Pick Up Your Feelings”;
- St. Vincent levando Best Alternative Album por “Daddy’s Home”;
- Baby Keem e Kendrick Lamar chocando a todos com o Best Rap Performance por “family ties”;
- Arooj Aftab e a vitória de “Mohabbat” trazendo possivelmente o primeiro Grammy para o Paquistão na história.
Caixinha de sugestões
Durante a transmissão, brinquei em comentários feitos no Twitter do site que o Grammy deveria aprender a ser breve como “os suecos do Melfest”. De fato, o trabalho da emissora pública SVT no festival mais importante de música do país escandinavo é excelente. Conseguem criar um show com 12 performances, votação e bis do vencedor sem passar muito das duas horas. Evidentemente, a natureza dos programas são muito diferentes, assim como as emissoras, mas a Academia poderia aprender a fazer uma cerimônia mais curta e menos sonolenta.
Entendo ser muito complicado replicar o swag e ousadia de premiações como os VMAs antigos da MTV, mas acredito que esforços mais contundentes podem ser feitos em prol do entretenimento para que a atração tenha mais dinamismo, como mais liberdade para o humor e blocos maiores. Hoje em dia, o Grammy aparenta ser um grande show beneficente que, por algum acaso do destino, resolve também entregar gramofones dourados para alguns artistas.
O costume estadunidense de empilhar propagandas em cima de mais propagandas é muito irritante e só desvaloriza o produto. E veja, não é como se faltasse assunto para a premiação, já que 80% das categorias (aproximadamente) são anunciadas na velocidade da luz em uma cerimônia que antecede o show principal. Algumas disputas muito polarizadoras, como Best Rap Album ou Best Music Video, são simplesmente escanteadas em prol de anúncios publicitários e performances em excesso.
Por fim, outro problema existente neste Grammy, mas que poderia ser de qualquer outro: as categorias para não-estadunidenses. A Academia não é a ONU (eu entendo), mas mais nacionalidades de artistas de destaque poderiam ser acionadas na premiação. Um exemplo é indicação do grupo sul-coreano BTS pelo segundo ano consecutivo, que parece provar como os votantes andam antenados, mas a inclusão asiática vai até aí. O k-pop não é mais uma tendência passageira e merece ter uma categoria especial assim como os latinos, que aos poucos conseguiram espaço por conta de sua imensa representatividade na sociedade estadunidense.
O campo “global” do Grammy também poderia ser melhorado, mesmo que seja impossível chegar em uma posição que consiga contemplar corretamente todos os artistas de todos os países do mundo. E não defendo a criação, digamos, de um espaço para que os artistas de Tuvalu (por exemplo), que é um país de influência nula para os Estados Unidos, participem da cerimônia. Mas é estranho ver uma artista indie do Paquistão tendo que brigar em uma categoria contra um afrobeats da Nigéria como se fossem duas coisas correlatas. Infelizmente, as categorias globais servem como uma competição não-oficial para o Terceiro Mundo (artistas africanos e alguns convidados, como os brasileiros).
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