Nada como um bom escândalo musical para acabar com o hiato do blog, não é mesmo? Após uma edição marcada por acusações graves, e por outro lado, nomeações compreensíveis e um triunfo incontestável de Billie Eilish em 2020 (clique aqui para relembrar com a nossa crônica), desta vez o Grammy volta apenas com o que tem de pior: a instável credibilidade.
Para início de papo, a controversa caminhada do Grammy 2021 precede a divulgação dos indicados. Ela começa nas mudanças feitas nos nomes de algumas categorias. Por exemplo, a disputa por “Melhor álbum urbano contemporâneo” — categoria que gera insatisfação por muitas vezes ser vista como um prêmio de consolação para cantores negros que não conseguem ser indicados ou até mesmo vencer em categorias gerais — agora se torna “Melhor Álbum R&B Progressivo”. Um termo muito melhor (e que já existe), como “R&B contemporâneo”, nunca passou pela cabeça da Academia? O que seria um R&B Progressivo? Mudar o nome apontado como preconceituoso para um mais confuso ainda não resolve o problema da sub-representação negra nas principais categorias.
Outra mudança — desta vez mais pautada na questão etimológica — ficou por conta da categoria “Melhor Álbum de World Music” (ou no bom português, melhor álbum de música mundial) que agora se torna “Melhor Álbum de Música Global”. A Academia diz que o termo foi discutido com artistas e linguistas, e então modificado por conta da estigmatização que o termo carrega — como se essa categoria fosse o espaço para colocar todos os artistas de terceiro mundo, com “conotações colonialistas”. Honestamente, trocar de “mundial” para “global” é como chamar uma porta de “entrada”. É uma mudança que praticamente não altera nada, mas compreendemos que é muito difícil encontrar uma forma de contemplar todo tipo de lançamento musical que ultrapassa as barreiras geográficas impostas pelas categorias do Grammy (ainda mais difícil ter que colocá-las em uma só caixinha). Um formato interessante é feito pelo prêmio EMA da MTV, que conta com disputas por país, região e continente, mas envolveria um “esforço globalizado” que não sabemos se a Academia estaria interessada em fazer.
E então, os indicados!
As controvérsias então se acentuam com a lista de indicados que foi divulgada na terça-feira passada (24). O Grammy (ou qualquer outra premiação) jamais irá contemplar todos os gostos e opiniões, mas ao menos se espera que, na cerimônia mais prestigiada da música mundial, se faça uma mescla inteligente entre aclamação crítica e sucesso com o público. E mais do que tudo isso: uma premiação dessa magnitude deveria representar as grandes histórias e tendências que marcaram a música no ano anterior, assim como foi com o pop minimalista de Billie Eilish e a grande atitude pop, rap e soul de Lizzo na cerimônia de 2020, entre outros.
Com a pandemia de Covid-19 e o repaginamento de gêneros como a disco music pautando a música mundial como um todo, os indicados não dialogaram tão bem com o que se fez entre setembro de 2019 e agosto de 2020, período de elegibilidade do Grammy 2021. Por exemplo, o esquecimento mais escandaloso foi o do canadense The Weeknd. O álbum lançado por ele, “After Hours”, talvez seja o que melhor sintetize o que foi feito neste período do ponto de vista musical. “Blinding Lights” serviu como o poderoso carro-chefe de uma era marcada pela nostalgia, além da excelente recepção entre os críticos musicais. Mesmo assim, saiu sem indicações. Os sites, casas de apostas e, honestamente, qualquer pessoa que tenha acompanhado as paradas musicais em 2020, davam a consagração de The Weeknd na premiação como óbvia. Após o anúncio, o cantor acusou o Grammy de corrupção e rumores apontam que ele teria sido propositalmente boicotado por conta de acordos relacionados ao Super Bowl, onde The Weeknd será a atração principal. Gostando ou não de “After Hours”, é preciso dizer que essa é uma das maiores cachorradas que a Academia proporcionou nos últimos 10 anos.
Outros esquecimentos — que também são importantes, mas de certa forma circunstanciais — e algumas nomeações inusitadas também precisam ser destacadas. Por exemplo, não há cabimento em reconhecer o trabalho de Justin Bieber, ainda que tenha sido muito popular durante o ano, com quatro nomeações na premiação. “Changes” é facilmente um dos piores trabalhos lançados em 2020 (e isso nem somos nós que estamos dizendo) e ter a enfadonha “Yummy” entre as músicas nomeadas a Melhor Performance Pop Solo é lamentável em um ano com tantas artistas mais interessantes do gênero (e esquecidas pela premiação) como Rina Sawayama, Charli XCX, Róisín Murphy, entre outras. Indo em direção a algo mais mainstream, até “Look at Her Now” ou “Harleys in Hawaii” cairiam melhor.
O lineup que concorre a “Álbum do Ano” é um dos mais surpreendentes em tempos. Taylor Swift, Post Malone e Dua Lipa eram nomes esperados. Jhené Aiko, HAIM e Black Pumas eram nomes não tão previsíveis, mas já foram indicados previamente e poderiam mover votos (e moveram). Os choques vieram pelas nomeações de Jacob Collier e Coldplay. Jacob, por exemplo, conseguiu uma pouco usual indicação nessa categoria para um álbum de EDM. Ele, ao menos, ainda levou mais duas categorias (Melhor Performance R&B e Melhor Arranjo, Instrumentos e Vocais), mostrando que houve uma movimentação orgânica pelo reconhecimento do produtor. Já o Coldplay, com um álbum que pouco ecoou fora do Reino Unido, conseguiu apenas essa indicação “de forma musical”, já que a outra é pela embalagem do projeto. Nem em Rock, nem em Pop, nem entre os alternativos. Apenas “Álbum do Ano” e pronto. “Fetch the Bolt Cutters”, o projeto de Fiona Apple que foi de longe o mais aclamado entre a crítica durante 2020, “After Hours” (mais uma vez lembramos) e outros tantos ficaram apenas chupando o dedo.
A premiação também vinha mostrando uma tendência em consagrar projetos póstumos nos últimos anos (assim como foi com David Bowie, Leonard Cohen e Nipsey Hussle), mas tudo parou por aqui. Juice WRLD, Pop Smoke e Mac Miller infelizmente são algumas das baixas que o rap americano teve nos últimos anos, mas seus álbuns não foram lembrados. Pop Smoke, por outro lado, ainda conseguiu uma nomeação pela participação na música “Deep Reference”, feita com Big Sean, mas nada além disso.
Nem tudo é crítica: as boas indicações de 2021
Apesar dos nomeados a Álbum do Ano terem sido um pouco inesperados, as outras três principais categorias seguiram mais ou menos o script. Megan Thee Stallion e Doja Cat, rappers que fizeram muitos números em 2020, foram lembradas em “Gravação do Ano” e “Artista Revelação”. Os esforços de Dua Lipa para fazer um álbum redondinho, divertido e nostálgico também foram reconhecidos, com nomeações em Álbum, Gravação, Canção do ano, e nas categorias pop.
No 23° ano de carreira, Beyoncé mostrou que ainda está no auge, levando nove indicações apenas com o filme “Black is King”, o relançamento do álbum “The Gift” e o remix de “Savage”, canção de Megan Thee Stallion. “Brown Skin Girl”, clipe retirado do projeto “Black is King”, levou indicação a Melhor Videoclipe e tem enormes chances de sair com o gramofone para casa, já que é um dos lançamentos mais delicados que a cantora já produziu.
O protagonismo feminino nas categorias de Rock e Country, geralmente dominadas por homens, foi o que de melhor tivemos nas indicações deste ano. Pela primeira vez na história, as categorias de Melhor Álbum Country e Melhor Performance Rock são formadas apenas por mulheres (com a exceção do grupo country Little Big e da banda de indie rock Big Thief, ambas com homens e mulheres na composição). Fiona Apple e Phoebe Bridgers confirmaram o hype de seus álbuns e foram bem nomeadas nesta edição. Outro nome surpreendente, mas merecidamente indicado, é o da produtora Arca, muito influente no meio alternativo, com o álbum “Kick I” em Melhor Álbum de Dance/Eletrônica.
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2 thoughts on “O show de trapalhadas (e alguns acertos) que antecedem o Grammy 2021”