Os efeitos causados pela invasão russa à Ucrânia já atingem e continuarão atingindo todos os pontos da sociedade europeia. Na música, o quadro não seria diferente.
A EBU (União Europeia de Radiodifusão – órgão responsável pelo festival) publicou nesta sexta (25) um comunicado afirmando que a Rússia está banida do próximo Eurovision, que está marcado para os dias 10, 12 e 14 de maio de 2022. A decisão foi tomada pelo Conselho Executivo da EBU seguindo recomendação da alta cúpula do festival e levando em consideração os valores e regras da organização.
Calcado desde a sua criação na ideia de “união e paz” entre os países europeus, seria anticlimático receber a Rússia no maior festival do mundo como se nada estivesse acontecendo. A decisão rápida da EBU também evita uma crise maior no festival, já que ao menos nove países participantes rechaçaram a possível participação russa no festival. Dentre eles, Finlândia e Estônia afirmaram que iriam desistir de participar caso a Rússia continuasse na competição. A banda Citi Zēni, representante da Letônia no Eurovision deste ano, também publicou nota reprovando a possível permanência do país vizinho no festival.
Lista de países que oficialmente rejeitaram a participação da Rússia no Eurovision
- Dinamarca
- Estônia
- Finlândia
- Islândia
- Lituânia
- Noruega
- Países Baixos/Holanda
- Suécia
- Ucrânia
E como fica a preparação para o festival em maio?
Por enquanto tudo segue conforme o planejado. A Rússia estava alocada na semifinal 1 (por ironia, na mesma em que a Ucrânia está) e será excluída sem precisar de maiores ajustes. Não temos informações oficiais sobre quem iria representar o país no Eurovision e nem se a música existe. O prazo final para submeter as canções competidoras é a primeira metade de março, então o país ainda estaria com algum tempo sobrando para revelar a sua entrada.
Rússia e Ucrânia no Eurovision: uma história complicada
Como nações de povos interligados e irmãos há muitas décadas, Rússia e Ucrânia tinham uma relação completamente normal no festival. Tão tranquila que até teve cantora ucraniana representando o país de Putin com uma música no idioma nativo e em russo (e em pleno Eurovision sediado em Moscou – assista o vídeo acima). Entretanto, tudo mudou com a anexação russa da Crimeia em 2014. Já no mesmo ano (e também por conta da imagem deteriorada pela lei que proibiu a “propaganda gay” em 2013), a Rússia foi vaiada pelo público durante a sua performance já no mesmo ano e em 2015 também.
Alegando problemas financeiros com a guerra no Donbass, a Ucrânia desistiu de participar do Eurovision 2015 e só voltou no ano seguinte. Logo em seu retorno, veio o bicampeonato do país com a canção “1944” de Jamala (assista ao vídeo abaixo). A música fala sobre a deportação dos tártaros da Crimeia durante o regime de Josef Stalin e foi entendida como uma grande indireta da Ucrânia ao vizinho agressor.
Como toda nação vencedora no Eurovision, a Ucrânia recebeu o direito de sediar o festival no ano seguinte. Já em 2017, a Rússia selecionou a cantora Yulia Samoylova para representar o país na competição, mas recebeu uma negativa do governo ucraniano pois a artista teria visitado a Crimeia após a anexação russa. Visitar territórios ocupados sem o aval de Kiev é considerada uma falha gravíssima. A EBU fez de tudo para que a cantora pudesse participar e até ofereceu a possibilidade dela não competir fisicamente no país, mas foi ignorada. Com isso, a Rússia desistiu de entrar no festival e ficou de fora pela primeira vez desde 1999.
A partir de 2019, a tensão entre as duas nações começou a tomar conta até mesmo do processo de seleção da Ucrânia para o Eurovision. O festival Vidbir, que é usado para escolher a música e o artista que representarão o país, virou um constrangedor interrogatório aos cantores, que eram perguntados pelos jurados questões sobre as ligações de cada um com a Rússia. O ápice foi o infame momento em que Jamala (ela mesma, a vencedora de 2016) finge ser uma repórter presente em Tel Aviv, sede do Eurovision daquele ano. Jamala diz: “eu tenho uma questão muito desconfortável para você (Maruv)! A Crimeia é da Ucrânia?”. Maruv, visivelmente acuada, responde “é claro”. Após o acontecimento, a jurada recebeu uma enxurrada de críticas nas redes sociais e o vídeo se tornou um meme clássico para os eurofãs.
“Siren Song”, a música de Maruv no Vidbir daquele ano, foi a vencedora da seletiva, mas a UA:PBC, emissora responsável pelo Eurovision na Ucrânia, manteve um suspense para anunciar a cantora como sua representante. Por diversas discordâncias contratuais, Maruv acabou desistindo de participar do festival. Respectivamente segundo e terceiro lugar, os grupos Freedom Jazz e KAZKA foram convidados pela UA:PBC, mas acabaram recusando a oferta. Por conta de toda a controvérsia, a Ucrânia acabou anunciando a sua desistência do Eurovision 2019.
A fim de evitar um novo desgaste televisivo, a Ucrânia em 2020 colocou como regra que todos os participantes do Vidbir devem comprovar que não estiveram na Rússia (ou em áreas ocupadas) desde 2014. Apesar disso, o “eurodrama” voltou a acontecer após a vitória da cantora Alina Pash no Vidbir 2022. O motivo: uma matéria feita por um portal que a acusava de falsificar os documentos que comprovariam uma viagem legal para a Crimeia em 2015. Por conta das proporções que a polêmica tomou, Alina decidiu desistir de participar do Eurovision (leia os tweets da thread abaixo). Os vice-campeões do grupo Kalush Orchestra foram então convidados pela Suspilne (novo nome da UA:PBC) para representar o país em Turim e eles aceitaram. Será que o país conseguirá manter a sua participação em meio a essa invasão? Veremos nos próximos capítulos desta história muito complicada.
🇺🇦 A esse ponto a maioria de vocês já sabe, mas não custa reiterar o trágico…
ALINA PASH ESTÁ FORA DO EUROVISION!
Nesta thread, explicamos o que ocorreu em mais um capítulo dessa história chamada "Ucrânia pós-guerra da Crimeia e Eurovision".
— Kolibli #нетвойне 🇮🇹 (@sitekolibli) February 17, 2022
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7 thoughts on “Rússia é banida do Eurovision 2022: entenda o contexto e as implicações”