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Na última terça-feira (14), o Ministro da Cultura ucraniano Oleksandr Tkachenko anunciou que artistas que receberam a medalha “Artista do Povo da Ucrânia” (“Народний артист України”), maior honraria a ser entregue pelo país na esfera cultural, poderão ter o título revogado por conta da conivência com as agressões militares russas. Cantores notáveis da nação, como Jamala, vencedora do Eurovision 2016, e Tina Karol já receberam a medalha.

Para recapitular, a Guerra Russo-Ucraniana é um conflito que na prática se arrasta desde 2014 com a anexação da região da Crimeia por parte da Rússia, mas ganhou status “oficial” com a invasão realizada pelo país em fevereiro desde ano.

A reação do ministro teria sido ocasionada por uma polêmica recente envolvendo a cantora Ani Lorak, que anunciou um show na Alemanha lembrando da medalha e se colocando como “a artista mais premiada da Ucrânia”. Ani é uma das artistas mais conhecidas do Leste Europeu e recebeu o título após o sucesso de sua participação no Eurovision 2008, onde chegou ao terceiro lugar representando o país com a música “Shady Lady”.

Desde 2014, a cantora seguiu fazendo turnês na Rússia – onde estaria vivendo até hoje – e manteve um silêncio em relação ao que acontecia na Ucrânia. Em março deste ano, ela fez uma postagem dúbia “pedindo que a guerra parasse”, mas recebeu críticas no final de junho após ser flagrada em Moscou na festa de aniversário do filho do cantor Philipp Kirkorov. Na ocasião, estavam presentes ligadas ao regime de Vladimir Putin.

“Quero enfatizar e alertar que todos os artistas que ainda usam ‘orgulhosamente’ o título de Artista do Povo da Ucrânia quando os é conveniente, mas não têm agido como tal por muito tempo por conta do seu silêncio ou suporte à agressão russa, em breve serão privados de seus títulos. Estamos trabalhando em emendas para as leis a fim de que o nosso país não veja mais este ‘povo’ novamente”, disse Tkachenko em sua conta na rede social Telegram.

A lista de destituídos ao título ainda não foi divulgada, mas o programa ucraniano TSN coloca Ani Lorak, o próprio Philipp Kirkorov (cantor búlgaro muito influente na música russa, recipiente da honraria em 2008 pela colaboração em “Shady Lady”) e o já falecido Iosef Kobzon, o “Frank Sinatra Russo”, como fortes candidatos.

Rússia e Ucrânia: relação histórica de intercâmbio cultural interrompida pela guerra

Ele, ucraniano. Ela, russa. Os noivos foram clicados durante um show do rapper Max Korzh em 2019. Foto: Juliana Kuznetsova.

Por quase todo o Século 21, Rússia e Ucrânia formavam uma só nação na antiga União Soviética. Após a dissolução do país em 1991, as relações entre os dois seguiram de forma relativamente tranquila. Ao menos 11 milhões de russos têm parentes na Ucrânia. Boa parte dos grandes nomes da música do Leste Europeu, como Loboda e Max Barskih, são ucranianos. Entretanto, como a absoluta maioria do que se ouve nas rádios da região, os hits são todos cantados em russo.

Uma resposta simples – e que não deixa de ser uma mentira – reside no fato de que o russo foi a língua franca entre os povos no tempo soviético. Um bom exemplo disso (e atual) é do youtuber Bald and Bankrupt, que conta com quase 4 milhões de inscritos. Em seu canal, ele mostra a cultura dos países pós-soviéticos e sempre conseguiu se comunicar usando apenas o russo.

A proporção de falantes do idioma supera o ucraniano, bielorrusso ou qualquer outro falado por países do bloco. O jornalista Oleksii Bondarenko escreveu em texto publicado no site da Suspilne, emissora pública do país, que esta escolha dos artistas pelo russo em detrimento dos outros idiomas não é apenas por tamanho de mercado, mas também por um projeto de apagamento da cultura ucraniana.

Seja qual for a justificativa, o fato é que Rússia e Ucrânia nutriam um clima de irmandade até 2014, ano da anexação da Crimeia. Um exemplo excelente é o do Eurovision 2009, que foi sediado em Moscou após a vitória de Dima Bilan com a música “Believe”. Na ocasião, a Rússia “roubou” Anastasia Prikohdko, uma competidora eliminada nas seletivas ucranianas daquele ano, para que tentasse representar o país. Com a música “Mamo”, ela acabou recebendo o direito de representar a Rússia em um momento histórico. Um detalhe, entretanto, gerou discussão: a música era em russo e ucraniano. O fato não impediu a cantora de participar do festival e ela teve a chancela da emissora pública do país. Hoje, dadas as circunstâncias, é impossível de se imaginar que essa situação volte a acontecer.

Anastasia, aliás, se arrepende de ter representado a Rússia. Ela é uma das artistas que rompeu os laços com o país após a Guerra na Crimeia. Mesmo assim, só a invasão de grandes proporções feita pela Rússia neste ano foi capaz de abalar as estruturas da música dos pós-soviéticos. É um momento singular e muito mais radical do que vemos aqui no Brasil com a polarização entre Lula ou Bolsonaro. Todos os grandes nomes da mídia são obrigados a se posicionar e cada lado tomado resulta em grandes consequências. Até mesmo, os que silenciam.

De um lado, todo artista ucraniano que seja contra a guerra poderá ser proibido de entrar na Rússia por 50 anos. Do outro, conteúdos vindos do país agressor estão sendo banidos da mídia e dos espaços públicos por toda a Ucrânia.

A opinião pública também tem sido implacável em torno dos artistas ucranianos que seguiram fazendo shows na Rússia e cantando em seu idioma. Os arrependidos, como Loboda, estão recalculando a rota e buscando um recomeço. Os coniventes, como Ani Lorak, estão propensos a sofrer linchamento por onde passam e até mesmo arriscam perder o contato com a sua terra natal.


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