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Chegou a melhor época do ano: tempo de Eurovision (ou Eurovisão, se você for português)!

O Kolibli preparou um guia com todas as informações que você precisa para entender como funciona o evento não-esportivo de maior audiência no mundo.

E como esse festival é tão conhecido assim se ninguém fala disso aqui no Brasil? Bom, tal qual certos bloqueios históricos e culturais que impedem, por exemplo, a Índia de ser um país do futebol, o Brasil também não tem a obrigação de gostar ou saber o que é o Eurovision. Culturas diferentes, interesses diferentes.

Palco do Eurovision 2024. Foto: EBU.

Entretanto, apesar do distanciamento parecer “óbvio” por conta do prefixo “euro”, a popularidade do festival tem crescido a cada ano no Brasil. A maior prova disso fica por conta do Twitter, que nos últimos anos viu a hashtag “#Eurovision” figurar entre os assuntos mais comentados no país durante os dias em que o festival aconteceu. Dados da edição de 2018, ocorrida em Portugal, mostram que o público brasileiro marcou presença em maior número do que pessoas de países que de fato estão no festival, como República Tcheca, Estônia e Lituânia. Então, qual é graça desse tal de Eurovision? Vamos descobrir agora!

O que é o Eurovision e como surgiu?

O Eurovision é um festival de música internacional que envolve participantes de países da Europa e arredores (veremos as exceções com calma mais tarde). Inspirado no italiano Festival de Sanremo, o Eurovision foi criado para testar os limites tecnológicos da televisão europeia dos anos 50. Também reza a lenda que o programa surgiu para promover uma cooperação entre os países do continente, já que os traumas da Segunda Guerra Mundial ainda eram enormes.

Um comitê da EBU (European Broadcasting Company – em português, União de Radiodifusão Europeia) encabeçado pelo suíço Marcel Bezençon, foi responsável por tirar o projeto do papel em 1956. A primeira edição, que consagrou Lys Assia e a canção “Refrain”, teve apenas sete países e um formato muito diferente do que temos hoje. Desde então, o festival se tornou uma tradicional celebração do multiculturalismo europeu e foi reconhecido pelo Guinness como a competição musical internacional e televisionada mais antiga do mundo.

Com uma audiência que tem girado em torno de 170 a 204 milhões de telespectadores (como em 2016), o Eurovision é uma iniciativa que sobreviveu a guerras, boicotes, tensões e crises sem que fosse pausado uma única vez. Ironicamente, 2020 foi o único ano em que essa lógica foi subvertida, já que a pandemia de Covid-19 acabou forçando o cancelamento do festival. Para as edições seguintes, a EBU flexibilizou regras e preparou diversos cenários para assegurar que o festival aconteça sempre.

Quem participa do Eurovision? Por que Israel e Austrália estão nisso?

Apesar de parecer completamente implícito para quem ouve o nome do festival, a lista de participantes do Eurovision pode ser um pouco confusa aos iniciantes no evento. Para entrar no festival, o país precisa estar na zona da EBU (veja o mapa abaixo), ser um membro ativo do órgão e pagar a taxa de participação. Desde a primeira edição, 52 países já participaram ao menos uma vez do festival.

Como apresentado nas áreas vermelhas do mapa, a zona da EBU inclui países transcontinentais (como a Turquia e a Rússia), mas também compreende nações africanas e asiáticas (estas geralmente como um pé na Europa e o outro lá, como Chipre e Armênia). Israel, por exemplo, estreou em 1973 e desde então constrói uma longa história de sucesso no Eurovision, com quatro troféus levados para casa e um deles bem recente (2018). O país está acostumado a entrar em qualquer competição que tenha europeus, já que seus vizinhos árabes não curtem muito a sua presença – e isto também pode ajudar a explicar a falta de interesse de toda a comunidade em participar do festival.

Aviso: como forma de repúdio ao modo que Israel conduz a guerra contra o Hamas desde outubro de 2023 e tenta usar o Eurovision 2024 como propaganda, o Kolibli fará uma cobertura reduzida da participação do país. Para mais detalhes, confira o nosso editorial.

Segundo aviso: por conta da Guerra na Ucrânia, a Rússia foi banida do Eurovision em 2022. Aliado russo, Belarus também foi excluído do festival, mas no ano anterior e por outros motivos.

Marrocos, o único participante africano até hoje, entrou no festival em 1980. Por coincidência ou não, esta foi uma das ocasiões em que Israel não esteve entre os competidores. Quando Israel voltou ao Eurovision na edição seguinte, Marrocos o abandonou e nunca mais voltou. Anos antes, em 1977, a Tunísia demonstrou interesse, mas não seguiu em frente. Em 2005, o Líbano até tentou, mas acabou sendo vetado por não garantir que a performance de Israel no festival fosse transmitida em seu país.

Para não colocar todos os “vizinhos” no mesmo saco, podemos destacar a Turquia com 34 participações no Eurovision e uma vitória. Entretanto, em 2013 o país deixou o festival por conta de insatisfações relacionadas ao formato do programa (nada a ver com Israel).

Em 2024, os únicos países de maioria islâmica no festival são a Albânia e o Azerbaijão.

 

European Broadcasting Area - Wikipedia

E a Austrália veio de onde?

Em 2015, como parte da celebração do 60° ano de existência do Eurovision, a EBU convidou a Austrália para participar do festival sediado em Viena, Áustria. Parece aleatório, mas não é bem assim.

Por razões culturais, o Eurovision é um sucesso na Austrália e é transmitido no país desde 1983. Com a data especial, a EBU acabou convidando o país para fazer uma participação especial no festival, que contou com direitos semelhantes a qualquer outro país do Eurovision, mas com vaga garantida na grande final e de forma única. “Tonight Again”, cantada por Guy Sebastian, fez uma boa campanha na edição e terminou em um respeitável quinto lugar com 196 pontos.

A EBU gostou do que viu e a emissora australiana SBS também: o país foi convidado novamente em 2016 (desta vez entrando nas semifinais como todo mundo) e garantido no Eurovision até 2023. Sem muito alarde, o país foi confirmado também para 2024.

Entendi tudo sobre quem participa! Mas e como funciona isso? É tipo um The Voice?

O formato do Eurovision é simples de entender, mas tentar comparar ele com outros programas é um pouco difícil por conta da singularidade do festival. Se nós tivéssemos que fazê-lo, seria dizendo que ele é uma mistura de Olimpíadas com XFactor; mas como avisado, é diferente.

Cada país participante é representado por uma música original, de até três minutos, lançada entre setembro do ano anterior da edição e meados de março do ano atual. Por exemplo, nesta edição teremos canções lançadas entre 1° de setembro de 2023 e março de 2024. A forma de escolha da música e do artista é de exclusiva responsabilidade da emissora afiliada à EBU – ou seja, não é necessário abrir algum tipo de consulta ao público – mas muitos países abrem a escolha para os telespectadores em programas chamados de “finais nacionais”. Por exemplo, o Festival de Sanremo, que serviu de inspiração para a criação do Eurovision, é a final nacional utilizada pela Itália para escolher o artista que os representará no evento.

Outra regra importante envolve a nacionalidade do artista: qualquer pessoa pode participar do festival, independentemente de que país veio. Por questão de bom senso, é difícil que pessoas alheias às nações participantes entrem na disputa, mas pode acontecer em países menores como San Marino. Então quer dizer que uma artista “tipo a Beyoncé” pode competir no Eurovision? Pode, mas boa sorte tentando convencer ela e um país participante a deixar isso acontecer.

Sobre o evento em si e como se vence o festival

Após a definição das músicas participantes, começa a corrida para a preparação do festival. Os artistas então ensaiam por semanas a música a ser performada, e cada equipe trabalha na concepção visual que será apresentada na semana de Eurovision.

Como o festival é sempre realizado no país que venceu o ano anterior, neste ano teremos como sede a Suécia após a vitória de Loreen com o hit “Tattoo”. A cidade escolhida para receber o evento foi Malmö, terceira maior cidade do país e vizinha de Copenhague, capital dinamarquesa. Malmö sediará o festival pela terceira vez em sua história (1992 e 2013 foram as edições anteriores).

Leia também: Eurovision 2024: ouça as canções e saiba todos os detalhes

Identidade visual do Eurovision 2024. Com o tema “The Northern Lights”, o conceito tomou inspiração nas auroras boreais e nos equalizadores de som. Foto: EBU/SVT.

Nos três dias de evento, o público e um júri especializado de cada país fica responsável por definir quem recebe pontos ou não. O público vota por meio de ligação telefônica, SMS ou pelo aplicativo oficial. O júri especializado vota em sessões especiais realizadas um dia antes dos shows televisionados. É meio bobo, porém importante dizer: nem público, nem júri podem votar em seu próprio país. A partir de 2023, o público passou a decidir 100% dos resultados das semifinais (o júri segue nas finais e só é usado nas semis caso haja problema com o televoto de algum país).

Na grande final, 50% das pontuações vêm do público e os outros 50% do júri, que então são somados e definem os resultados finais. Vence o festival quem tiver o maior número de pontos.

Vale lembrar que, desde 2023, foi adicionado o voto do público de países não-participantes (nisto se inclui o Brasil). Você pode conferir melhor como funciona neste post.

Sobre as pontuações

Os 10 mais votados pelo público e júri de cada país recebem pontos, de forma crescente, de 1 a 8, e então 10 para o segundo lugar e 12 para o primeiro (guarde essa expressão: “douze points!”).

Primeira parte: semifinais

Por conta do grande número de participantes, o festival tem dois dias de semifinais. Todos os países (com a exceção do anfitrião e o Big Five – já vamos explicar isso) são sorteados e participam destas semifinais. Os 10 melhores colocados em cada uma delas participam da Grande Final.

Segunda parte: Grande Final

Para muitos o único show que importa, a Grande Final é formada pelos semifinalistas classificados e os finalistas prévios. Por serem membros que contribuem com maiores quantias de dinheiro do que os outros, o Big Five (Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido) tem vaga garantida na final junto do país anfitrião do festival (neste ano, a Suécia).

Ao final das apresentações, o público de todos os países participantes é convidado a votar em suas canções favoritas. Após o fechamento da votação, a hora do anúncio dos pontos é um momento especial que conta com a presença de porta-vozes de cada país. Em 2016 o modelo de apresentação dos pontos recebeu uma mudança que deixou a votação ainda mais emocionante, mas a essência histórica segue sendo a mesma.

Alguém “famoso” já participou do festival?

Celine Dion Eurovision 1988 - wiwibloggs
Céline Dion no Eurovision 1988. Foto: Reprodução.

Apesar do termo “fama” ser um pouco relativo, vamos tentar lembrar de alguns cantores que podem ser do seu conhecimento como brasileiro.

O ato de maior sucesso a passar pelo festival é, indiscutivelmente, o grupo ABBA. Representando a Suécia com a canção “Waterloo” em 1974, o ABBA foi responsável por trazer ao país o primeiro troféu no Eurovision. Quatro anos antes, Julio Iglesias – mais conhecido pela nova geração por conta do filho, Enrique Iglesias – cantava pela Espanha no Eurovision com a música “Gwendolyne”, chegando ao quarto lugar na edição.

Céline Dion, artista de carreira sólida e que até hoje faz rios de dinheiro por conta da música do Titanic, também teve uma participação no festival. Com a potente “Ne Partez Pas Sans Moi” em 1988, Céline levou a Suíça a mais uma vitória no Eurovision.

Outro grupo de destaque no ocidente e que passou pelo palco do festival é o duo T.A.T.U. Em 2003, as russas eram favoritas ao título, mas acabaram ficando apenas com o terceiro lugar pela música “Ne Ver Ne Boysia”.

Com a popularização do aplicativo Tiktok, patrocinador do festival, alguns artistas recentes têm experimentado um sucesso quase imediato, como foi com o Måneskin (vencedores pela Itália em 2021) ou Rosa Linn (Armênia em 2022), mas também um pouco tardio, como no caso do holandês Duncan Laurence e a canção campeã de 2019, “Arcade”. Em 2023, a campeã “Tattoo” e a vice “Cha Cha Cha” (Finlândia) entraram no top 10 do Spotify Global no dia seguinte ao da final do Eurovision e se tornaram sucessos internacionais, com a primeira ganhando até uma famosa versão no Brasil (“Daqui pra Sempre”).

Como faço para acompanhar o festival no Brasil?

O Eurovision não é transmitido pelas televisões no Brasil, mas você pode acompanhar o festival ao vivo no canal oficial do programa no Youtube. Lá você também pode encontrar as músicas que concorrem neste ano, mas também edições antigas do Eurovision, importantes para quem busca se familiarizar com o evento. A próxima edição acontecerá nos dias 7, 9 e 13 de maio, com início às 16 horas no horário de Brasília.

Credenciado oficialmente pela EBU e presente fisicamente no festival pela primeira vez, o Kolibli fará uma mega cobertura especial sobre o Eurovision com matérias especiais no site, detalhes sobre os ensaios em primeira mão, e outras ações relacionadas em nossas redes sociais. Fique ligado nas nossas próximas atualizações com mais informações novas sobre o festival!


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Sobre o autor

Matheus Rodrigues

Jornalista formado em 2023 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apaixonado por música, culturas diferentes, futebol e Coca Zero. Obcecado por Eurovision e pop do leste europeu. Torcedor do imenso Sport Club Internacional.
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21 thoughts on “O que é Eurovision? – Um guia para iniciantes

  1. Matéria extremamente bem redigida e completa, amei! Tirou todas minhas dúvidas! Comecei a acompanhar este ano por causa do Sheldon Riley da Australia, me apaixonei pela arte dele nesses vídeos aleatórios sobre The Voice e ele tava obcecado pelo Eurovision e eu tava torcendo, mas boiando completamente.

    1. Fico feliz que tenha gostado, Karen! Aqui no Koli (com mais força no Twitter – @sitekolibli) comentamos Eurovision o ano todo. Espero que tenha curtido assistir pela primeira vez!

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