Tempo de leitura:3 minutos

Texto por Thuanny Judes

Minha estreia por aqui não poderia ser diferente. Escolhi escrever sobre Elza Soares por um motivo muito simples: a primeira vez que realmente parei para ouvi-la foi por causa do Matheus. Desde então, ela ocupa cada vez mais espaço nos meus ouvidos e nas minhas reflexões. Sinto cada vez mais fome de Elza.

A primeira vez que ouvi minha voz gravada de verdade foi quando falei da voz de Elza Soares. Faz apenas dois anos. Foi durante a faculdade, para um documentário de rádio. Até alguns meses que antecederam a pesquisa e a gravação do documentário, eu e a cantora mal nos cruzávamos nos fones de ouvido da vida. É aí que entra o Matheus.

Dividindo minhas manhãs com meu mais novo amigo apaixonado por música, fui apresentada para uma das maiores intérpretes da nossa música. A obra? Maria de Vila Matilde, com um refrão que ecoa as vozes das mulheres tão cansadas do abuso, da violência e do machismo que ainda está presente na nossa cultura. E temos que concordar que não poderia ter sido outra voz a gritar “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim!”. E sabe, essa música me marcou. Não adianta, só nós, mulheres, entendemos bem o significado. Deve ter algo a ver com a nossa fome por equidade de direitos.

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Planeta Fome (2019)

Para falar de Elza, pensei em escrever uma crítica sobre seu novo álbum, “Planeta Fome”. Ouvi, ouvi e ouvi de novo. Analisei algumas músicas, mas ainda é muito difícil para mim afirmar que Elza errou ou acertou aqui e ali. Na verdade, às vezes é bem fácil achar os acertos. Aliás, a capa ilustrada por Laerte Coutinho é um dos grandes! (Ó, saiu uma crítica!)

Elza é, de um Planeta Fome a outro, uma das cantoras mais originais e verdadeiras que já ouvi. Cantou escondida da família, longe dos filhos, sabe o que é não ter casa e não ter pão. Foi desacreditada, não recomendada à sociedade. Mas virou o jogo e sempre cantou aquilo que gostava, não importando o gênero. O som fez o que Elza é. Ela é faminta por música.

Em seu show no Rock In Rio deste ano, Elza Soares sacudiu o palco Sunset. Cantou, falou, gritou. Para uma mulher de outra geração, Elza deu um show. Sentada no topo, ela disse “Chega!”. Elza afirmou: “a carne mais barata do mercado não está mais de graça”. Ela avisou os homens, ela chamou as mulheres, ela mandou o recado: gemer só de prazer! Elza estava com fome de respeito e reparação.

É incrível como Elza se volta contra o blá blá blá cheio de caretice que nos ronda. A vibração potente da sua voz bate de frente com os palhaços que assumiram o poder tentando abalar uma democracia ainda jovem. E como Elza nunca envelheceu, fala de igual para igual com Brasis que ainda têm muito o que aprender. Grande memória para um tempo sem memória. É importante lembrar que Elza viveu a ditadura, disse não a ela e, se precisar, dirá novamente. Cada vez mais alto. É a fome de Elza por igualdade no país do sonho.

Elza mudou, se reinventou e segue em plena metamorfose — que sorte a nossa, não? Sua fome e sua busca por renovação a mantiveram em movimento durante todos esses anos. Sua trajetória é atestado: música é transformação, é libertação. Elza tomou partido e abraçou tudo: o samba, a mulher, a MPB, o negro, o rap, o gay, o rock, a lésbica, o pobre. Ela é mulher negra periférica e nunca deixou de ser. Isso porque é insaciável, insatisfeita, incontrolável e imparável, Elza se renova porque entende suas origens, seu povo e também as novas gerações. E todos nós entendemos Elza. E se acabarem com o seu carnaval? Nos jogaremos em meio à confusão! Temos fome de Elza!

Thuanny Judes — (@exaustoany).

Sobre o autor

Matheus Rodrigues

Jornalista formado em 2023 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apaixonado por música, culturas diferentes, futebol e Coca Zero. Obcecado por Eurovision e pop do leste europeu. Torcedor do imenso Sport Club Internacional.
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