O ano de 2022 marca a nova etapa de Anitta em um estrada que vem sendo trilhada há mais ou menos seis anos: sua carreira internacional. Com o sucesso global da canção “Envolver” alavancado por meio de desafios no aplicativo TikTok, a Warner americana, gravadora que cuida da empreitada internacional da cantora, percebeu que era a hora de finalmente lançar um álbum. Assim como no Brasil, os contratos por produtividade (número de CDs a serem feitos) são uma prática comum. Dessa forma, Anitta pensou em começar a gastar seu “saldo de álbuns” neste momento excelente, mas já deixou claro que se precisasse só lançaria singles e clipes. A franqueza da popstar carioca é uma qualidade muito admirada pelos fãs e a transparência ao traçar seus objetivos mais ainda. Portanto, o resultado final de “Versions of Me”, seu quinto álbum de estúdio, corrobora a visão dela de que um LP nada mais é do que um calvário necessário.
Em “Kisses”, seu projeto anterior, Anitta dizia que cada canção refletia seu estilo multifacetado e que, como um beijo, cada música seria diferente. Hoje, ela parece contar a história do álbum como sendo apenas um trabalho que teve a funcionalidade idêntica ao de um cartão de visitas ou página do LinkedIn, mas os esforços feitos pela cantora demonstram outra coisa. Cada canção recebeu um clipe e, como ela já disse, um vídeo bom custa caro. Participações como Snoop Dogg, Prince Royce e Becky G também não são pouca coisa.
A ideia de álbum visual talvez seja o que tenha feito o “Kisses” soar como um projeto muito mais redondo que o novo, “Versions of Me”. Na prática, cada música era como um single com seu próprio clipe e a possibilidade de viralizar, como aconteceu com o hit “Onda Diferente”. “Versions of Me” não teve esse cuidado.
Como o nome insinua, o conceito é o mesmo do anterior e a própria defendeu a ideia por conta da necessidade de se apresentar ao público internacional. Aqui começam os problemas. Não é uma estratégia ruim ou pura mentira, já que aqui no Brasil estamos cansados de saber das histórias de suas plásticas, da origem no subúrbio carioca de Honório Gurgel, de sua inspiradora liberdade sexual… Mas lá, essa Anitta ainda não é conhecida. Portanto, a própria confirmou que fez uma capa refletindo diferentes versões dela após alguns procedimentos cirúrgicos para ter assunto em entrevista e virar meme.
É inegável que Anitta tem uma personalidade forte, cativante e que representa muito da espontaneidade brasileira. Não há artista pop no Brasil (com exceção de Pabllo Vittar) com melhor repertório, seja musical ou marqueteiro, para esse trabalho de “embaixadora do país”. O problema, como percebo há anos como fã dela, é que o produto não é tão brilhante como o produto que ela tenta vender.
“Versions of Me” infelizmente se coloca como novas faces de um lugar muito conhecido e comum a outros artistas da música pop: a pressão de lançar um álbum após um hit. Reiterando mais uma vez a assumida má vontade de Anitta com o formato, o projeto ecoa como uma coletânea de bons singles recheada com algumas apostas ruins e fillers. Como já discutido aqui no site em outro momento, o inglês é a língua de pior aproveitamento entre as três (ou mais) que a cantora domina. O swag do sotaque carioca e o tom imperativo do espanhol se diluem quando Anitta começa a cantar no idioma do Tio Sam, pois ainda soa comum e sem personalidade.
Quando os vocais não são tão distintos ou potentes, é necessário investir em produção e letras interessantes até que se encontre um estilo. “Girl From Rio”, por exemplo, é uma boa canção puxada para o trap em que Anitta demonstra atitude e conta muito bem sua própria história (e ainda ousa samplear o patrimônio nacional “Garota de Ipanema”). “I’d Rather Have Sex” e a produção assanhada com batidas de funk e rangidos de cama também serve como exemplo de que ela consegue fazer mais. Já em “Turn It Up”, que parece descartada de um álbum como o “Circus” de Britney Spears; “Maria Elegante” e até mesmo na faixa-título, não existem sinais de atemporalidade. Não é sempre, mas às vezes o mau gosto criminoso toma conta da cantora, como no sample inacreditável de uma das músicas mais repetidas da história em “Gimme Your Number”.
Onde há trabalho e o instinto corajoso de Anitta, o resultado é interessante e chega a lugares que só ela proporciona. Por exemplo, a espetacular “Gata” sampleia um clássico do reggaeton com participação de Chencho Corleone, que participa envolvido na música original. É uma faixa que nasceu para suceder “Envolver” não só no álbum, mas também em termos de sucesso. A releitura da cantora se apresenta como uma homenagem e demonstração de respeito ao gênero, mas acima de tudo, um pedaço imaculado de música pop. Ao final, uma explosão funk inesperada toma conta, típico da Anitta em seus picos de insanidade e pretensão.
No fim das contas, a personagem Anitta é tão forte que até faz um projeto desses parecer satisfatório. Como já conhecíamos cinco músicas dele (e elas são em geral boas), fica um sabor positivo, mas de que forma as novas canções agregam ao catálogo da brasileira? Como experiência de trabalho com produtores de destaque como Ryan Tedder, pode abrir portas e é isso que ela tem colocado como métrica de sucesso. Seu objetivo não é o mercado brasileiro (e por isso estamos mais inclinados a não ter paciência com as repetições de lugares comuns em suas narrativas), mas é possível criar música popular com uma visão artística mais ambiciosa e original. A sorte dela é que 2022 até agora tem sido uma tragédia para a música popular americana e o cenário precisa desesperadamente de pessoas como ela. Como no ditado popular, até um relógio quebrado acerta a hora duas vezes ao dia, mas Anitta seria mais como um relógio de última geração com imenso potencial, mas que precisa ser bem calibrado.
“Versions of Me”, Anitta
Nota: 6/10
Melhores músicas: “Gata”, “Girl From Rio”, “Envolver”, “Faking Love”, “I’d Rather Have Sex”, “Boys Don’t Cry”.
Piores músicas: “Gimme Your Number”.
Para quem gosta de: pop, reggaeton, pop latino.
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