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Apesar da boa produção, as contradições e o desespero de Luísa Sonza em provar que é ‘artista’ minam todas as possíveis virtudes de “Escândalo Íntimo”.

Uma das ironias mais fascinantes de 2023 é presenciar Luísa Sonza lançando um álbum chamado “Escândalo Íntimo”, já que a vida da cantora gaúcha como celebridade pode ser tudo, menos íntima. Com o ‘afastamento’ de grandes nomes do tal pop brasileiro, como Anitta e Ludmilla, se pavimentou um caminho para que Sonza tenha protagonismo. E com tanta atenção, uma ainda muito jovem intérprete pode acabar dando passos maiores do que consegue. Faz parte do jogo e da formação artística de cada um, já que ninguém nasce pronto. O problema de Luísa, como fica exposto em seu novo disco, é tentar tirar o ouvinte para otário fingindo que já é muito mais do que realmente é. Pode parecer exagero, mas não há como separar o contexto absurdo da artista em um álbum vendido como tão pessoal. 

Ao contrário de “Doce 22”, seu disco anterior, “Escândalo Íntimo” de fato pode ser considerado um álbum no formato conceitual (ou seja, as faixas contam uma história que as une em uma temática maior). O projeto conta com 24 músicas (sendo oito delas ainda indisponíveis) divididas em quatro blocos que relatam as etapas de um relacionamento amoroso: paixão, amor, decepção e superação. O projeto também foi influenciado pelas crises de pânico sofridas por Luísa durante a “era Doce 22” e a análise de sonhos realizada durante sessões de terapia psicanalítica com a artista plástica Nathalie Nery. Após os encontros, ela acabou entendendo que o relacionamento retratado no projeto era o dela com ela mesma.

Embora toda a pompa criada com estas explicações e os visuais arrojados da capa e dos clipes, que também fazem parte de um filme, “Escândalo Íntimo” é oco. Luísa quis fazer o seu “Lemonade”, mas a música em si é completamente contaminada pela própria insegurança em torno da arte que faz. São vários os delírios mal desenvolvidos e feitos para mostrar repertório cultural, como no drill rap de “Campo de Morango”, primeiro single ‘propositalmente ruim’, ou em “Lança Menina”, faixa em que sampleia “Lança Perfume” de sua ídolo Rita Lee. 

Luísa parece acreditar que cantar por cima dos sons clássicos brasileiros a coloca entre um deles. Ou pior: estabelece insinuações, como se “uma Rita do passado” fosse a Luísa do futuro, o que não coincide com a verdade. E não é um exercício de má vontade com ela, mas sim algo que a própria externaliza em publicações nas redes sociais ou em entrevistas, como quando respondeu críticas sobre uma performance feita de biquíni. 

“As pessoas me criticam, mas eu tenho certeza que você é, no mínimo, fã da Madonna, fã do Michael Jackson, fã da Rita Lee, da Cássia Eller, da Marisa Monte, da Gal Costa, do Ney Matogrosso, do Cazuza. Na época, eles agradaram muita gente e desagradaram outros, mas eles foram eles. Ser artista é isso.”
Luísa Sonza em entrevista ao jornalista Leo Dias no Jornal Metrópoles (2022)

Este tipo de ufanismo é a tônica não só de Luísa, mas também dos outros nomes da nova música popular brasileira (a turminha do Prêmio Multishow), que acabam por superdimensionar seus próprios feitos artísticos como se estivessem fundando o tropicalismo ou o manguebeat. Uma declaração feita por Luísa defendendo a performance de Marina Sena no festival The Town simboliza um pouco desse corporativismo.

A obsessão com a autoafirmação começa na segunda faixa, “Carnificina”, em que ela alega que “tem número (hits) e ainda é artista”. Apesar desse pop rock ter, positivamente, a cara de Luísa e fundamentos de uma boa abertura de álbum (a primeira faixa é quase uma ‘interlude’, então não conta), no fim do dia soa como mais um maneirismo. De fato, os números são dela mais uma vez, já que “Escândalo Íntimo” foi um sucesso e bateu recorde de maior número de reproduções em 24 horas no Spotify Brasil. Mas ‘artista’? Isso de fato ela é, já que para isso basta fazer arte. Com a pose que banca, não.

Luísa quer fazer com que todos nós compremos essa encenação de ‘cantora intensa’ e inconsequente, como se todas as suas controvérsias fossem orgânicas e fruto do desequilíbrio que grandes artistas como Amy Winehouse teriam, mas um olhar mais atento pode notar a artificialidade em sua abordagem. Por trás de sua marca existe um contrato de 100 milhões de reais com a Sony Music, o respaldo criativo de Fatima Pissarra, que talvez seja a maior empresária do entretenimento brasileiro, bem como todo o aparato midiático da Mynd, empresa que responde por páginas e influenciadores que somam milhões de seguidores em diversas redes sociais, como a Choquei e o Alfinetei. 

Luísa talvez não seja tão maquiavélica a esse ponto, mas as coincidências são tantas… Começar um namoro com um influenciador, escrever música apaixonada (“Chico”) sobre ele com poucos meses de relacionamento, terminar (a traição foi um bônus), e depois ir em rede nacional ler uma carta emocionada sobre o assunto. Toda uma trama que por acaso se encaixa perfeitamente no que é dito na interlude “Todas as Histórias”, parte do mesmo álbum, em que ela relata ter se apaixonado apesar de mal conhecer a pessoa. 

Outra grande casualidade é a condução do caso de racismo cometido por ela em 2018, seu calcanhar de Aquiles até hoje. Desde 2020 quando foi processada, Luísa aumentou seu envolvimento com artistas negros, como o rapper Baco Exu do Blues e o ex-namorado Vitão. Quando o caso veio à tona em setembro de 2022, Luísa piorou a situação negando tudo, mas depois admitiu estar resolvendo o caso. Seu próximo single após o ocorrido foi “MAMA.CITA”, parceria com Xamã (rapper de pele negra e ascendência direta indígena) em dezembro do mesmo ano. No dia em que apareceu no clássico programa matutino de Ana Maria Braga para chorar seu término, voltaria à tona o assunto do racismo pois o caso havia sido arquivado. Fora da rede de proteção da mídia de fofocas do Brasil, Luísa foi questionada no programa Fantástico sobre o assunto e visivelmente se sentiu desconfortável, mas garantiu que explicará de forma mais clara a situação em seu documentário na Netflix, a ser lançado em 13 de dezembro (não vai perder, né?). Na mesma semana, um paparazzi flagra a cantora aos beijos com Mariana Maciel, coreógrafa negra que trabalha com ela. Tudo muito orgânico.

Você pode dizer que um ouvinte alheio aos dramas de Luísa Sonza pode até se surpreender com as sonoridades do “Escândalo Íntimo”. Realmente: ela e o seu time com dezenas de produtores e compositores entregam em certo ponto evoluções e músicas que isoladas se sobressaem. “Luísa Manequim”, por exemplo, é tudo que “Lança Menina” não é. Com o grande uso de uma canção nem tão conhecida do cantor luso-brasileiro Abílio Manoel, a gaúcha brilha ao buscar um samba-rock divertido que cria um ode a si mesma de forma mais sincera, como na linha em que diz que “até feia é bonita”.

“Onde é Que Deu Errado?” é outra faixa que se destaca por mostrar que Luísa conseguiu finalmente fazer uma balada agradável (dispensando comentários para a batalha de gritos em “Penhasco2” com Demi Lovato). Aqui, Sonza traz uma letra redonda sobre decepção amorosa, um aceno para a música gaudéria e a entrega vocal que toma notas com as mais melosas da loba Alcione. Outras faixas deixam saldo positivo, como os duetos “Romance em Cena” e “Ana Maria”, mas restam apenas canções que juntas falham em contar uma história convincente. Algumas soam protocolares, como a participação do cansado Baco Exu do Blues que é acionado em mais um “momento do sexo”. De realmente atroz sobra “A Dona Aranha”, que transforma a canção infantil de mesmo nome em um pop tacanha duríssimo de aturar, fazendo o ouvinte perceber que até nas “músicas sobre raba” Luísa anda deixando a desejar.

Por fim, a melhor faixa do “Escândalo Intimo” tem muito a dizer: “Principalmente Me Sinto Arrasada”. A música consiste em uma rapsódia que mistura trap rap com um quê de Beach Boys e Queen, surpreendendo na forma que conta os estágios de uma crise de ansiedade. É a canção mais arriscada da carreira de Luísa e resume bem o que ela tentou fazer com todo esse conceito, mas uma frase dita pela mesma ecoa para além do seu próprio espaço: “será que eu sou uma fraude?”. Analisando um álbum que força tanto uma visceralidade, mas que, por razões estratégicas (risos), não tem um terço de suas canções ainda reveladas (como uma participação com a dupla sertaneja Maiara & Maraísa), podemos dizer que Luísa talvez não seja uma fraude, mas sim uma meia-verdade que comove multidões em um gênero musical com a régua baixa.

“Escândalo Íntimo”, Luísa Sonza – 4/10
País: Brasil
Para quem gosta de: pop brasileiro.
Comece por: “Luísa Manequim”.

Melhores músicas: “Principalmente Me Sinto Arrasada”, “Onde é que deu errado?”, “Luísa Manequim”, “Ana Maria”, “Iguaria”.
Piores músicas: “A Dona Aranha”, “Chico”, “Surreal”, as três interludes.

 

 

 


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Sobre o autor

Matheus Rodrigues

Jornalista formado em 2023 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apaixonado por música, culturas diferentes, futebol e Coca Zero. Obcecado por Eurovision e pop do leste europeu. Torcedor do imenso Sport Club Internacional.
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