Em turnê que celebra 25 anos do lançamento de Jagged Little Pill – seu maior êxito comercial e que à época impulsionou a carreira da então jovem canadense de 21 anos -, Alanis Morissette, hoje com 49, retornaria ao Brasil após um período de quase dez anos afastada da América do Sul. Retornaria, porque a celebração desse emblemático álbum teve de ser adiada por três anos devido ao agravamento da pandemia de Covid-19 em 2020 (cujos dados catastróficos não serão mais uma vez relembrados).
Aos olhos dos fãs e dos que ansiavam pelo iminente retorno da artista ao Brasil (grupos esses nos quais me insiro, inclusive), esses anos de adiamento só fizeram crescer uma expectativa quase irracional de não apenas relembrar o icônico Jagged Little Pill ao vivo em um show único de grandes proporções no Brasil, mas também de vivenciar por alguns minutos o som de uma década de 90 que parece cada vez mais distante (ao contrário dos cabelos brancos), mas que segue latente no coração de quem a viveu.
Quando houve o anúncio de que a turnê em comemoração dos 25 anos do álbum, adiada em 2020, iria finalmente sair do papel, os fãs brasileiros da artista já passaram a pensar em colocar a mão no bolso. Alanis ama o Brasil, sempre teve uma relação de verdadeira idolatria e identificação com nosso país e, nessas circunstâncias, é mais do que óbvio que ela dedicaria um tempo ao lugar que insiste em cantar suas músicas a plenos pulmões até os dias de hoje. Mas as circunstâncias não poderiam ser mais adversas. Quis o destino (ou a própria organização da turnê, por algum motivo), que se disponibilizasse uma única data de seu show para o Brasil, ou seja, Alanis chegou, fez seu show, e já não está mais aqui. Esse talvez tenha sido o motivo que mais proporcionou a sensação agridoce a quem ansiava tanto por sua volta. E talvez, por essa razão, tenha sido tão especial.
Antes do início em si do próprio espetáculo, quem estava presente no já lotado Allianz Parque no início da noite de terça-feira (14), se aqueceu – metafórica e literalmente – com um agradável e competente show da baiana Pitty, também em turnê em comemoração aos 20 anos de seu icônico Admirável Chip Novo. A artista, cujo talento e repertório ultrapassam quaisquer gama de comentários, foi outra a se mostrar no auge de sua forma. Mais adaptada ao calor acachapante que tortura o nosso país há boas semanas, ela veio a palco com apenas uma camisa preta, um short jeans e um tênis, além de sua inconundível voz e uma banda extremamente afiada. Cantou seus maiores sucessos e, como já era de se imaginar, deixou grandes títulos, como a emblemática Na Sua Estante e a mais “recente” (de mais de dez anos atrás) Me Adora por último. Ambas acompanhadas pelo público do início ao fim. Mais uma grande apresentação de uma artista que permaneceu por quase toda a sua carreira em paralelo ao cenário mainstream do país, mas que se mostra até hoje dona de um repertório atemporal e que, de alguma forma, ainda soa muito natural e genuíno.
Foi seguindo a boa e velha cartilha do ‘fashionably late’, que por volta das 21h10, com pouco – um quase charmoso – atraso, o espetáculo começa de forma crua, visceral, com um breve vídeo nos telões retratando a carreira da artista, desde seu início como artista mirim, passando por seus rompantes de rebeldia, seu período no cinema, as inúmeras críticas por parte da imprensa, as incontáveis paródias de programas de humor enlatado estadunidenses e, é claro, o tão ansiado Jagged Little Pill que causou a ascensão meteórica em sua carreira.
É nesse momento que, de forma quase despercebida aos olhos dos mais desatentos ou emocionados com o momento, Alanis entra com sua banda como uma mera mortal; como alguém que estivesse de breve passagem por aquele palco (e de fato estava). Ela entra em cena com um sobretudo de paetê que acredito que a própria tenha se arrependido de vestir nos primeiros segundos de show. Fazia muito calor e a garoa fina que acometeu a cidade ainda não passava de uma sequência insistente de gotas caindo do céu. Nada disso impediu que All I Really Want fosse entoada pelos mais de 40 mil espectadores que a acompanharam do primeiro ao último verso.
O primeiro momento catártico aconteceu logo na primeira música, quando ela empunha a sua gaita, instrumento que ficou eternizado em suas canções como uma grande marca registrada, e acompanha os versos do primeiro ato de seu show, tal qual nos clipes que consagraram toda uma geração de jovens rebeldes nos anos 90 que em seus toca-fitas sentiam a identificação com as letras, a melodia e a atitude presente nas canções da artista.
Como grandes atos, quase que teatrais, a cada canção que passava, se iniciava uma história que havia começo, meio e fim – porém, sempre com os espectadores a acompanhando do primeiro ao último verso. Clássicos do álbum noventista como Hand In My Pocket (essa logo como segunda canção da noite), You Oughta Know, You Learn, Head Over Feet, Ironic (que homenageou Taylor Hawkins, seu ex-bateirista e amigo pessoal, que faleceu no ano passado), além do lado B do disco, algumas canções novas – que não empolgaram tanto a quem esteve lá para uma noite de nostalgia – e sucessos de outros períodos de sua carreira, como a balada Uninvited, já durante o bis, levantaram quem estava a fim de acompanhar o show sentado e a fez ser seguida por um coro de milhares de fãs emocionados.
Foi emocionante acompanhar grupos e mais grupos de amigos, familiares, namorados e desconhecidos brindando uma noite em que ganhou quem ansiava por uma boa e emocionante sessão de nostalgia. A voz de Alanis não poderia soar mais atemporal. A sensação de quem acompanhava, vidrado como alguém que assiste a um filme recheado dos mais empolgantes plot twists, era de que a jovem de recém completados 21 anos nunca saiu do corpo daquela mulher que, agora, já é mãe, esposa e quase uma cinquentona. Quem ali esteve pôde presenciar a mesma jovem de jaqueta, gorro, calças compridas e prestes a entrar em seu carro em um dia frio, tal qual em seu imortalizado clipe de Ironic. No ponto de vista de um fã, de quem cresceu ouvindo não só ao seu principal álbum, mas também todos seus outros sucessos, a sensação foi de ser extremamente privilegiado. Junto de mais dezenas de milhares de espectadores, posso não ter visto a história sendo escrita, mas com certeza presenciei a história sendo contada mais uma vez. E como foi bom reassistir uma boa história.
Coube à Thank U, provavelmente sua faixa mais emblemática fora do JLP, fechar a noite. Já de uma fase menos rebelde (de seu álbum seguinte, Supposed Former Infatuation Junkie, de 1998), a música já não trazia a mesma vibe da adolescente de atitudes e posicionamentos fortes e letras ousadas que explodiu anos antes, mas transmitiu a mensagem necessária àqueles que passaram sua noite quente de terça-feira junto da canadense. O telão atrás de Alanis trazia tuítes de fãs dizendo o motivo pelos quais são gratos; seja pelo dia nascer, pelos seus filhos, sua família ou por tudo mais que poderiam agradecer. No final, já no acender das luzes, as mensagens se apagam e surge a mensagem “Thank you, São Paulo”. Falo em meu nome e em nome dos outros milhares de fãs que lá estavam: nós quem agradecemos, o prazer foi todo nosso. Volte sempre.
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