Como é sempre bom um debate sobre as divas do pop estadunidense, o Koli resolveu revisitar alguns álbuns polêmicos (no sentido de polarizador) destas cantoras e atribuir comentários em “resenhas curtas”, nosso modelo de avaliação mais breve.
Alguns destes projetos vieram com muita expectativa do público após o enorme sucesso recentes destas artistas. Outros nem partilhavam muito do burburinho do povo, mas assim que o álbum saiu receberam reações muito negativas ou aquém do normal.
Para a primeira leva deste quadro (caso gostem, deixem um comentário para a parte dois acontecer), reouvimos e avaliamos os álbuns:
- “Witness”, Katy Perry (2017);
- “Bionic”, Christina Aguilera (2010);
- “ARTPOP”, Lady Gaga (2013);
- “Hard Candy”, Madonna (2008).
Como o conceito do Resenhas Curtas é ser sucinto, os textos para cada álbum não devem passar de três ou quatro parágrafos. Entretanto, projetos polêmicos inevitavelmente quebram um pouco destas regras, mas o objetivo é resumir o que puder.
Notas: 0 a 4,5 (avaliação ruim ou péssima), 5 e 5,5 (avaliação mediana), 6 a 10 (avaliação positiva ou excelente).
O selo #KolibliRecomenda vai para álbuns e EPs com nota superior a 7,5.
“Witness”, Katy Perry
País: Estados Unidos
Assim como Lady Gaga em “ARTPOP” (2013), “Witness” foi o ponto de saturação máxima de Katy Perry como cantora pop. O corte de cabelo curto (sério), a briga com Taylor Swift e o desgaste natural de um nome que dominou as paradas por tantos anos seguidos foram alguns dos fatores que minaram o seu retorno. E mesmo em um momento crítico como esse, é o período em que Perry chegou mais perto de construir um álbum que de fato é ótimo.
Para quem costumava lançar compilações com singles e fillers¹ (e chamar isso de álbum), “Witness” foi não só um avanço, como também o seu melhor projeto até hoje. É o primeiro disco de Katy Perry que tenta ir mais longe e imprimir música pop que foge um pouco de suas amarras habituais. Como bem apontado pelo colega Anthony Fantano, é interessante ver uma artista como ela tratando da necessidade de validação pessoal desta forma. O problema no “Witness” é que os rotineiros surtos de breguice da cantora comprometem o projeto como um todo.
Dá quase para separar o álbum em dois grupos: a das boas músicas com produção arrojada, mesmo que a letra não seja genial (“Chained to the Ryhthm”, por exemplo) ou que são tão apelativas a ponto de divertir, como “Bon Appetit” com os Migos. Já o grupo das ruins é realmente ofensivo. Algumas das piores da carreira dela estão aqui, como “Hey Hey Hey”, hino feminista constrangedor ao som de um dubstep que já era datado em 2017, e “Mind Maze”, que até deixa a gente sem ter o que falar (apenas ouça). Como os pontos positivos são muito fortes, “Witness” passa como um projeto que no fundo é satisfatório, mas nada além disso.
Nota: 6,5/10
Melhores músicas: “Chained to the Rhythm”, “Bon Appétit”, “Swish Swish”, “Pendulum”, “Tsunami”, “Witness”, “Déjà Vu”, “Roulette”.
Para quem gosta de: pop americano, dance-pop, synthpop, electropop.
“Bionic”, Christina Aguilera
País: Estados Unidos
Fracasso de vendas, público e crítica, “Bionic” envelheceu bem e recebeu um ressurgimento cult entre os fãs de música pop por conta de sua “recepção injusta”. Até uma história sobre um boicote supostamente orquestrado pela gravadora de Lady Gaga costuma vir à tona.
De fato, “Bionic” é o álbum mais ousado de Christina Aguilera em todos os termos. Musicalmente, a cantora se joga de vez em sons mais eletrônicos e utiliza também o r&b e o rap para endossar sua nova imagem mais sensual, Quem havia se chocado com músicas como “Dirrty”, agora teria que lidar com os gemidos explícitos do primeiro single “Not Myself Tonight”. E se ouvir o projeto, com certeza vai encontrar mais sexo que em um ano de tweets do Filipe Ret.
Teorias da conspiração à parte, “Bionic” é um álbum que sofre dos mesmos problemas que Christina Aguilera geralmente apresentou em sua discografia: falta de foco e senso de síntese. Todo projeto da cantora conta com um “modelo Janet Jackson” de produção, ou seja, uma roupagem que flerta com a de um álbum conceitual, duração longa e uso de interludes. Aqui, infelizmente, não funciona. Nada explica um projeto como “Bionic” ter 18 músicas, sendo que quase todos os seus melhores momentos ficam na primeira parte. Ainda que a produção não tenha envelhecido tão bem, é possível se divertir com faixas como “Elastic Love” ou “Woohoo”. A segunda metade do álbum, entretanto, é negligenciável – em especial, as insossas baladas que não rivalizam com nenhuma das mais famosas de Christina. É um álbum que deixa o ouvinte surpreso, mas até a página dois (literalmente). Ao revisitar “Bionic”, não lamento a falta de sucesso dele, mas sim o descaso da cantora e de sua equipe em não desenvolver melhor um projeto com ideia tão interessante.
Nota: 5,5/10
Melhores músicas: “Desnudate”, “Elastic Love”, “Prima Donna”, “Not Myself Tonight”, “Glam”, “Bionic”, “Woohoo”
Para quem gosta de: pop americano, dance-pop, electropop.
“ARTPOP”, Lady Gaga
País: Estados Unidos
Em 2014, Lily Allen lançava “Sheezus”, faixa satírica que tratava da competição entre as cantoras pop de forma direta. Ao falar de Lady Gaga, ela resumiu a sensação que a era do álbum “ARTPOP” passou:
“Estamos todos vendo a Gaga, LOL, haha.
Morrendo pela arte. Sério, ela é uma mártir”.
A crise do quarto álbum (ainda mais após três projetos de muito sucesso) atingiu a cantora em cheio. Ela tinha dois caminhos possíveis: vir com uma abordagem mais sóbria ou seguir no modelo de superexposição que vinha dando certo. De corpo e alma, Gaga escolheu o segundo. Ela era como uma motorista dirigindo a 200 km/h em uma estrada tortuosa e que decidiu quebrar os freios e incendiar o próprio carro (mas claro, tudo pela arte).
Apresentações com vômitos, participações sensuais com abusadores que já haviam sido acusados, batalha com Katy Perry pelo #1 de seu primeiro single, “Applause”… A era “ARTPOP” foi, sem surpreender ninguém, o fim da fase “mártir” de Gaga. E o álbum? O projeto em si envelheceu bem e ao mesmo tempo mal. É com certeza um dos mais bizarros da história da música pop, mas não dá para dizer que o resultado foi 100%. “ARTPOP” era anunciado como o álbum do milênio e terminou refém da própria ambição.
Em sua música de abertura, “Aura”, que vazou antes do lançamento e teve seus vocais modificados de forma controversa, ela mostrava que este não seria um disco normal. Gaga misturou um pop tradicional e polido (como nas músicas “Fashion!” e “G.U.Y”) com algumas das mais estranhas de toda a sua carreira, como no dubstep-industrial (criei esse termo agora) de “Swine”. Ou até mesmo pela confissão aos berros de que ela curte fumar uma ervinha (“Mary Jane Holland”). “Venus”, em sua odisseia intergaláctica, é tão Gaga que dói, mas com a mesma habilidade de ser acessível e viciante.
Os momentos ruins, entretanto, são realmente difíceis de digerir. A emocionada balada “Dope”, por exemplo, talvez seja a pior de seu repertório. “Jewels N’ Drugs” é o momento trap em que a cantora soa tão “Karen” que chega a ser ridículo. A tentativa de Gaga em passar por gangsta (que funciona em outra música dela de mesmo nome) é constrangedora demais. Outras músicas não sobreviveram ao tempo, como “Manicure” ou “Sexxx Dreams” e suas produções pouco envolventes soam melhor no ao vivo. Até “Applause”, que destaco com uma das melhores no álbum, fica meio deslocada nos tempos atuais por representar um momento muito particular do pop de 2013. Sem uma reposição de “Do What U Want” com uma participação decente (podia ser a Aguilera), já que a música foi retirada de todas as plataformas após os escândalos de R. Kelly voltarem aos noticiários, o álbum também perde um pouco de seu brilho inicial. Aqui jaz a Gaga clássica, mas foi um funeral divertido.
Nota: 7,5/10
Melhores músicas: “Applause”, “G.U.Y.”, “Venus”, “Aura”, “Swine”, “Do What U Want”, “Mary Jane Holland”, “Donatella”, “Fashion!”, “Gypsy”.
Para quem gosta de: pop americano, electropop, dance-pop, electro house.
“Hard Candy”, Madonna
País: Estados Unidos
É difícil ser um dos maiores defensores do “Hard Candy”, que é considerado um dos piores álbuns da Madonna, mas é um fardo que escolhi carregar. Ele passa longe de ser um fracasso, mas tampouco conta com unanimidade positiva.
Posso elencar alguns fatores que explicam o ódio dos ouvintes ortodoxos de música pop em torno de “Hard Candy”. O primeiro deles é a ampla participação de Pharrell Williams (dividida com Chad Hugo) do início ao fim. O músico de sucessos como “Rock Your Body” e “I’m Slave 4 U” conta com um estilo de produção distinta, mas também muito criticada. Com a exceção dos projetos de Beyoncé, qualquer álbum pop que se aventure em uma sonoridade mais influenciada pelo r&b e/ou rap ganha reprovação ou é preterido por outros. Um bom exemplo é o “Sweetener” (2018), que apesar de ser o único vencedor de Grammy na discografia de Ariana Grande, raramente é colocado como o melhor. Muitos têm “Into You” como sua favorita, mas poucos colocariam a bizarrice de “The Light is Coming” neste patamar.
O segundo é o histórico. Após lançar “Confessions on a Dance Floor”, fãs e mídia esperavam mais de Madonna. Lançar um álbum que soa como o que já tocava nas rádios da época até hoje é visto como um momento de falta de ambição e preguiça. A Rainha do Pop pediu a Pharrell um “Futuresex/LoveSounds” para chamar de seu e recebeu um (ainda que menos emblemático para os anos 2000). “Hard Candy” segue os mesmos fundamentos do álbum de Justin Timberlake, que também ajudou de forma direta no projeto: músicas longas, hiperssexualizadas e com coesão entre si. Para Madonna, entretanto, há um certo experimentalismo que soa quase como “brincadeira de estúdio”, visto na excêntrica “Incredible”. Talvez este seja o ponto que mais escancara a sinergia entre Pharrell e Madonna, que faz com que todo o álbum (exceto o final) soe um documento muito bem pensado, apesar de parecer o contrário.
Nota: 9/10
Melhores músicas: “Miles Away”, “She’s Not Me”, “4 Minutes”, “Heartbeat”, “Beat Goes On”, “Candy Shop”, “Incredible”, “Spanish Lesson”, “Dance 2night”, “Give It 2 Me”, “Devil Wouldn’t Recognize You”.
Para quem gosta de: pop americano, electropop, dance-pop, electro house.
¹ Filler é um termo comum na cultura otaku, mas também muito utilizado por jornalistas musicais. No bom português brasileiro, significa “encheção de linguiça”, ou seja, músicas que são incluídas para ocupar espaço e que não agregam em muita coisa além disso.
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