Enquanto grandes nomes como Anitta e Ludmilla “tiram férias” do pop nacional por motivos distintos, sobra espaço para artistas que parecem pouco interessados em inovar. Um retrato transparente da pobreza vivida pelo gênero no país é a nova música de Pedro Sampaio e Zé Felipe, “Olhadinha”, que foi lançada na última sexta-feira (14). São apenas dois minutos e 17 segundos de ondas sonoras que dizem nada, mas ao mesmo tempo revelam tantas coisas que precisam ser refletidas.
Para começar, é preciso dizer que uma união de maus modelos musicais como os destes dois artistas não poderia resultar em algo diferente, mas ainda choca a cara de pau ao lançar algo tão raso e que desafia a inteligência do ouvinte brasileiro. Vocais negligenciáveis de ambas as partes. Produção tão preguiçosa quanto a própria letra, que falha no básico dos fundamentos da música pop (que é ao menos entregar algo que grude na cabeça do ouvinte, seja o refrão ou algum tipo de “ilustração sonora” interessante). Quando você lê uma composição dessas sem a música tocar e tem a sensação de que você mesmo (ou até um robô gerador de palavras) poderia criá-la, isso é um péssimo sinal. Resta apenas o pensamento mágico e “jenial” de gastar fortunas em clipe e investir em coreografia simples buscando viralizar,
Dá aquela olhadinha
Empina, vira, vira
Dá aquela olhadinha
Empina, vira, vira
Dá aquela olhadinha
Empina, vira, vira
É preciso frisar que este relato não busca endossar uma cartilha de que “música precisa ser inteligente” ou “com significado de verdade”. A arte é multifacetada, subjetiva e de variados consumos pessoais, seja para um momento de festa ou para suscitar debates ideológicos. Pode ser até sem voz, como é feito extensivamente no rock progressivo ou nos diferentes gêneros de música eletrônica. É também democrática, pois você pode produzir música sem ter as cordas vocais de uma Whitney Houston ou Adele. Neste aspecto, aliás, moram grande parte das críticas a Pedro Sampaio.
DJ desde adolescente, Pedro tocava em qualquer lugar e tinha um cachê que começou na casa dos 50 reais. Cresceu com a ajuda da internet e despontou aos poucos no cenário nacional como um produtor musical interessante e de novas ideias. Com a hipnótica “Vai Menina” (2019), ele até fez uma estreia nas listas de melhores músicas do nosso site. Infelizmente, no ano seguinte Pedro Sampaio começou a trilhar uma estrada de puro dadaísmo musical, como em “Atenção” (2021) com Luísa Sonza, e no exagero ao usar autotune, como em “Fala Mal de Mim” (2021) com Wesley Safadão. O que era promissor acabou se tornando uma personificação da apatia criativa e da falta de talento vocal, aspectos que jamais entrariam em questão se não houvesse uma overdose de cantos distorcidos por parte de Pedro.
Já Zé Felipe é um pouco de tudo (ou melhor, de nada). Não é um grande vocalista, como já alertamos em 2020 com o estouro da criptonítica “Só Tem Eu”. Tampouco compositor, já que hits como “Bandido” e “Toma Toma Vapo Vapo” (e a própria “Só Tem Eu”) não são assinadas por ele. Aliás, em “Bandido” ele consegue a proeza de ser coadjuvante na própria música, já que a curta faixa é praticamente cantada por MC Mari, responsável por dar o tom chiclete ao refrão da música.
O império de Zé Felipe é inicialmente construído com a ajuda do pai Leonardo, um dos cantores sertanejos mais famosos do Brasil, mas tomou proporções maiores após o início do relacionamento com a influenciadora Virgínia Fonseca.
Como uma versão nacional e chula do casal Beyoncé e Jay-Z, Virgínia e Zé Felipe formam uma união que transforma o sucesso dos dois em algo indissociável. As pessoas se interessam em seguir Virgínia para acompanhar a sua vida, mas ela chegou a um patamar maior com o casamento e a gravidez. Já Zé Felipe usa a esposa como “cabo eleitoral” de todos os seus lançamentos, seja em participações diretas nos clipes ou com dancinhas no TikTok e no Instagram.
Zé Felipe e Virgínia são um espelho de como as relações no mainstream brasileiras andam superficiais (e cabe, em outro momento, uma reflexão se sempre foi assim). Representam o terrível estado de aparências instalado no mundo dos influencers, onde carreiras de criadores sem nada a criar sentem-se dispostos a tratar a música como mais uma “publi”. Neste instante posso garantir que não é uma situação de agora e muito menos restrita ao Brasil, já que o espaço que a TV e a rádio tinham (e ainda têm) para pautar artistas agora é dividido com as redes sociais. O acesso a novos talentos hoje em dia é mais fácil, mas longe de uma democratização real. As indicações de artistas de gravadoras a emissoras hoje dividem espaço com a triste vassalagem do “jornalismo de fofoca”, onde verificados se “vendem” por ingressos, convites especiais ou até mesmo uma noite de sono tranquila ao evitar atacar pessoas com muitos fãs apaixonados.
A quem veio em berço de ouro, como Zé Felipe, ou passou a viver em um, como Pedro Sampaio, apenas esperamos um esforço maior em produzir boas músicas com mais criatividade e autenticidade. Parte do público já demonstra a mesma demanda. Não estamos pedindo um movimento pomposo como a Tropicália ou projetos ambiciosos como “Transa” (1972) ou “Batidão Tropical” (2021). Apenas torcemos para que os grandes artistas brasileiros consigam entregar conteúdo que condiga com o seu sucesso.
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