Na última sexta-feira (03), a advogada, maquiadora e influenciadora digital Juliette Freire deu um passo a mais e colocou outra ocupação neste currículo já amplo: ser cantora. O EP homônimo conta com seis faixas e foi lançado pela Rodamoinho (selo administrado pela cantora Anitta) em parceria com a Virgin Music Brasil.
É claro que, acima de tudo isso, Juliette é conhecida por ser campeã da última edição do programa Big Brother Brasil. Com forma de se expressar que rapidamente conquistou o público, uma narrativa que a colocou no lado dos “bonzinhos” da edição e um planejamento de redes sociais praticamente perfeito, Juliette venceu o programa com facilidade. A trajetória messiânica ao topo fez com que, em questão de dias, a paraibana batesse recordes de seguidores nas redes sociais e entrasse rapidamente no panteão das grandes celebridades do nosso país.
Por ser afinada, arriscou algumas participações nos shows do programa e dividiu vocais com os artistas também confinados e mais experientes, como Karol Conká, Rodolffo e Fiuk. A ansiedade dos fãs em ver a paraibana vencendo o programa (que já estava praticamente ganho há meses) também acabou criando uma expectativa muito grande do público pelos desdobramentos musicais de Juliette.
Dias após a vitória no reality show, a paraibana foi disputada por três gravadoras (e nessa queda de braço, venceu a Universal Music). Também era “prometida” por alguns compositores que produziam músicas desde a época em que Juliette estava confinada e nem tinha ideia do sucesso que tinha se tornado. Aqui, entretanto, começa a sucessão de erros que fizeram com que o EP de Juliette, lançado quatro meses após a vitória no Big Brother, seja musicalmente irrelevante.
Ainda em maio, Juliette já havia confirmado o assédio das gravadoras e também feito uma avaliação honesta sobre a possibilidade de se tornar uma artista musical: “eu não sei, o povo insiste que eu sou cantora, mas eu ainda não sou cantora”. Quatro meses depois, a paraibana aparece com um contrato, a produção visual do célebre diretor criativo Giovanni Bianco, o apadrinhamento de Anitta e seis músicas originais. Conosco, a certeza de que etapas foram puladas no processo artístico da nova cantora.
“Juliette” – agora falando do EP – parece ter sido criado por pessoas que estavam mais preocupadas em estender o sucesso da campeã do BBB21 em mais uma plataforma do que descobrir e desenvolver as suas habilidades musicais. Não veja esse diagnóstico como um puritanismo ou defesa ingênua de que “a arte precisa vir antes de tudo”. Muitos álbuns clássicos da música pop foram feitos de forma laboratorial em um campo de compositores. O problema é que aqui não temos a qualidade de um “Lemonade”, que lembramos apenas para mostrar um exemplo de um grande projeto que passou pela mão de muitas pessoas (sem intenção de comparar o incomparável).
Para não dizer que não existem bons aspectos no EP, podemos destacar a produção muito bem polida por todas as faixas, mesmo que não tão inovadora na interpolação do pop “good vibes” com fragmentos do forró. Por exemplo: a faixa “Diferença Mara”, que é a mais bem sucedida até agora em streams no Spotify, conta até com uma leve batida de funk para gerar contraste entre o mundo de Juliette e a do seu affair sulista retratado na música.
Entretanto, Juliette vocalmente faz um feijão com arroz que não convence. A falta de personalidade dela nessas produções é perceptível e deriva da pressa em fazer com que uma advogada e maquiadora vire cantora em questão de semanas. Possivelmente, uma artista com estilo mais marcante pudesse fazer com que músicas como a própria “Diferença Mara” se tornassem um grande acerto, mas tudo soa como um grande experimento de algum programa da Globo.
Sem o swag para “vender” as ideias medianas trazidas no EP, as letras, aspecto mais negativo do projeto, ficam ainda mais expostas. A impressão que fica é a de que um grupo de publicitários sudestinos se reuniu para criar, durante um brainstorm, todas as canções do álbum pensando “o que a Juliette, nordestina, falaria?”. O resultado, então, é um show de frases constrangedoras que buscam um identitarismo que acaba soando bobo e vazio.
Em “Bença”, faixa que abre o EP, Juliette começa a se apresentar ao público de forma promissora:
“Quem perguntar por mim, diga que to por aí!”
E em seguida recorre a linhas que só podem ser escritas por pessoas que acham que todo o Nordeste é um grande cenário de “Auto da Compadecida”:
“Agora se foi fácil? Foi não;
Rapadura é doce, mas né mole não.(…)
O coco é seco demais irmão;
E o preconceito eu só engulo com farinha.”
Na faixa seguinte, “Diferença Mara”, as reviradas de olhos são inevitáveis com a infame rima da bicicleta…
“Ele vem de bicicleta;
Eu que nunca fui atleta.”
…E o clichê que não funciona nesse contexto:
“Nunca foi sorte, sempre foi Deus”
“Doce” muda o tom “geográfico” da faixa anterior e parte para versos dignos de álbum infantil (o que não é um demérito, mas soa inadequado):
“Eu matava e morria se preciso fosse;
Nem o doce de batata doce tem teu doce mel.”“Não tem pêra, maçã, nem uva;
Quero salada de fruta.”
As letras seguintes seguem de forma menos incômoda, contanto com lapsos de boas tiradas como em “Benzim”:
“Eu sou gaivota que esqueceu como voar;
Peixe de rio que já se perdeu no mar.”
Entretanto, o que não soa cafona ou tolo, parece fazer pouca competição – ou trazer algo de diferente – para o pop “good vibes” do Brasil, que já conta com nomes mais convincentes e estabelecidos como a banda Melim ou o cantor Vitor Kley.
Há quem vá defender “Juliette” (em especial, os fãs) como um projeto necessário para a representação da música nordestina no país, mas ele definitivamente passa longe disso.
O Nordeste é a segunda maior região do país em habitantes (mais de 50 milhões de habitantes) e fomenta a música nacional desde que o Brasil é Brasil. Colocou, inclusive, gêneros inéditos para tocar em todo o território, como o axé, o manguebeat e o forró. A ascensão do piseiro, celebrada em 2020 por conta dos Barões da Pisadinha, ainda não tem hora para acabar. As três músicas mais ouvidas no Spotify Brasil durante a semana em que este texto foi publicado (02/09/2021) são de nordestinos cantando em sons originados da região. A pessoa Juliette pode reivindicar a importância da representatividade nordestina em um programa como o BBB, que não via uma pessoa da região vencê-lo desde 2006, mas a cantora Juliette, neste momento, entrega nada de essencial que justifique uma defesa desse tipo.
Assim como um broche ou um cartaz, o EP de Juliette musicalmente não passa de um item de colecionador para os fãs da influenciadora e precisa servir apenas como aprendizado para a ainda inexperiente cantora – caso queira seguir levando tudo isso a sério.
Leia também:
Os melhores álbuns de 2021 até agora
Criamos uma playlist em homenagem aos 30 anos de independência da Ucrânia
4 thoughts on “Por que o EP de Juliette é um grande erro”